
«'E agora?', perguntou-se Gregor, olhando à volta no escuro. Em breve descobriu que agora não conseguia dar nem mais um passo. Nem se admirou com isto, o que achou estranho foi ter conseguido deslocar-se antes com aquelas perninhas tão fracas. De resto, até nem se sentia muito desconfortável. É certo que sentia dores por todo o corpo, mas parecia-lhe que se iam dissipando a pouco e pouco e que acabariam por passar. Já mal sentia a maçã podre nas costas e a zona envolvente infectada, todas cobertas de um pó solto. Recordava a família com emoção e afecto. A sua própria convicção de que devia desaparecer era provavelmente ainda mais forte que a da irmã. E ali ficou naquele estado de reflexão vazia e pacífica até que o relógio da torre deu as três da madrugada. Ainda assistiu ao primeiro despontar da claridade, lá fora em frente à janela. Depois, a cabeça desceu, sem que ele quisesse, até ao chão, e das narinas saiu-lhe, fraco, o último sopro de vida.»
(in Franz Kafka, A Metamorfose, tradução de João Barrento, Edições Quasi, Vila Nova de Famalicão, Fevereiro de 2003)
Sem comentários:
Enviar um comentário