2004-05-28
Em Sampaiês nos desentendemos
Num excelente texto de retrospectiva sobre o thatcherismo, publicado em www.whitegum.com, escreve-se com razão que uma das mais notáveis qualidades da Dama de Ferro foi saber lançar mão de um discurso claro e conciso, com o qual os eleitores facilmente se poderiam identificar.
Termos como «política fiscal» e «déficit financeiro do sector público» poderão colher a indiferença das maiorias e não ajudam a explicar, por exemplo, a necessidade de contenção nos investimentos públicos. Mas conceitos como «poupança» e «não gastar mais do que se ganha» faziam-se entender sem dificuldade.
Seria bom que o nosso Presidente Jorge Sampaio e seus assessores retomassem a lição de Lady Thatcher. Com efeito, é por demais consabida a dificuldade de Sampaio em fazer-se entender. Tanto assim que, a par do português e do mirandês, bem se pode dizer estarmos à beira da descoberta de um terceiro e sinistro idioma nacional: o Sampaiês.
Comunicar significa tornar comum, fazer saber, participar, ligar. Ora, que ligação poderá existir com uma arenga onde pontuam o «saudosismo passadista» ou os «mecanismos» ou ainda as «teias de sinergias», naturalmente tudo «sob a perspectiva do social»?
Depois, nas questões candentes como as dívidas fiscais dos clubes de futebol, aquelas em que a necessidade de mediação presidencial mais agudamente se faz sentir, lá vêm os assombrosos «apelos à serenidade» e a crítica da «crispação na classe política».
Como facilmente se perde o lusófono incauto por entre semelhante parafernália de substantivos! Que desígnios, ideias, pensamentos e vontades se ocultarão por detrás da muralha semântica? Provavelmente, nunca o saberemos.
Não obstante, por entre as cerradas brumas discursivas, lá se descobrem algumas - poucas - clareiras de inteligibilidade. Foi o caso da célebre Presidência Aberta no Alentejo onde, em pleno solo barranquenho, o Presidente lá falou da necessidade de a lei respeitar as tradições e costumes das populações.
Por uma vez, o Presidente foi claro no seu apoio ao espectáculo degradante das touradas de morte, ao arrepio das determinações do nosso ingrato legislador. Estranha posição esta, da parte de quem jurou por sua honra desempenhar fielmente as funções em que fica investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.
Em conclusão, nas escassas vezes em que o Presidente Sampaio se faz entender mais valia que ficasse calado.
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