2005-07-29

Berlin - Lissabon

Berlim é uma cidade magnífica, com o seu civismo, os seus restaurantes turcos e as suas salas de cinema de culto cuidadosamente preservadas e respeitadas (o Moviemento, o Babylon-Kino, entre tantos outros). Porém, é preciso regressar à nossa Lisboa e tomar conta do blogue, até porque estas saudades portuguesas já apertam. E agora, vamos a isto, Evaristo!

2005-07-21

Lissabon - Berlin

Estou a tirar umas férias na grandiosa cidade de Berlim e já volto. O blogue segue dentro de momentos.

2005-07-18

Zwei bei Kallwass


A nossa Angelika Kallwass em todo o seu esplendor.

2005-07-16

João Canijo


O realizador João Canijo é um artista com o dom da palavra. Os seus filmes são uma celebração permanente da linguagem, que é sempre arrojada e inventiva. Aliás, as palavras também são imagens: tal como os pensamentos são retratos das coisas, também as palavras são retratos dos pensamentos – ou seja, as suas imagens. O Mestre Manoel de Oliveira costuma mesmo dizer que a palavra é a essência do cinema. Talvez Canijo não vá tão longe, mas a riqueza vocabular dos seus filmes é, sem dúvida, imensa: as palavras são, tanto quanto os décors, a banda sonora ou o guarda-roupa, um instrumento para criar ambientes e caracterizar personagens.

O filme Sapatos Pretos (1998) é, contudo, de poucas falas. Os diálogos não abundam e, quando surgem, são rudes, secos e frugais. Claro que isto não representa qualquer incapacidade literária acidental do Autor, pois o encanto da linguagem do filme está precisamente nesse seu primitivismo. Os três protagonistas, tão sórdidos que mais se assemelham a bichos, são quase incapazes de falar, porque a palavra é uma faculdade exclusivamente humana. A função poética está, por isso, ausente. A linguagem de Sapatos Pretos animaliza as personagens e liga-se aos instintos básicos que norteiam a sua existência: comer, foder, matar. A frase emblemática do filme, aquela que melhor condensa o seu espírito, é «tenho fome».

Seguiu-se Ganhar a Vida (2001), um retrato impiedoso do quotidiano dos portugueses em França. Para a protagonista, uma Antígona portuguesa e de fracos recursos económicos, a vida é um acto de equilíbrio precário. Não é fácil formar uma identidade cultural quando se está encurralada entre uma sociedade francesa hostil e estranha – a mesma que ainda hoje proíbe os véus islâmicos nas escolas – e uma comunidade portuguesa insular, autista e com os olhos virados para dentro. A linguagem, que é também um produto cultural, hesita entre um mundo e outro: expressões como «eu tenho um rendez-vous com o Manel», «ela era muito copine com o Álvaro» ou «fazer um cadeauzinho» multiplicam-se ao longo do filme todo.

A morte injusta de um filho cairá como uma bomba atómica neste quotidiano frágil. Quando a protagonista resolve redigir «uma pétition» para que estas coisas não se repitam, só encontra incompreensão por parte dos seus compatriotas. Mas ela não pretende desistir. O seu inconformismo, que emerge no clamor «A gente está aqui no que é nosso», acabará por conduzi-la às maiores infelicidades e, no final, ao suicídio. Vem-nos à memória aquela interrogação tenebrosa da Antígona sofocliana: «Quem vive como eu, no meio de tantas calamidades, como não há-de considerar a morte um benefício?»

Depois de França, Canijo virou-se para o submundo dos bares de alterne, com os seus dramas, os seus crimes e a sua linguagem particular. O filme Noite Escura (2004) é uma cacofonia permanente: as conversas sussurradas, os sotaques estrangeiros e o jargão da noite sobrepõem-se. As palavras são sujas e impregnadas de sexo. Toda esta linguagem evolui numa espiral ascendente de violência, que culmina com a matança às mãos de um bando de Eríneas sob a forma de mafiosos de Leste. O destino, protagonista invisível de todas as tragédias gregas, assim o impôs: «o que tem de ser tem muita força».

2005-07-11

As coisas boas da vida

1º - A liberdade

2º - A mãe, o pai, o irmão e a família

3º - Os filmes, bons ou maus

4º - Os livros

5º - A presunção de inocência, o direito ao silêncio e a proibição da reformatio in pejus

6º - Uma feijoada de seitan no melhor restaurante macrobiótico de Lisboa

7º - Óbidos

8º - O cafezinho que antecede a sessão de cinema

2005-07-08

Conferência de Imprensa

Por Harold Pinter

«Imprensa: Senhor Ministro, antes de ser Ministro da Cultura creio que o senhor foi chefe da Polícia Secreta.

Ministro: Correcto.

Imprensa: Vê alguma contradição entre estes dois papéis?

Ministro: Absolutamente nenhuma. Como chefe da Polícia Secreta tinha a responsabilidade, especificamente, de proteger e garantir a nossa herança cultural de forças cuja intenção é subvertê-la. Defendíamo-nos do verme. E ainda nos defendemos.

Imprensa: O verme?

Ministro: O verme.

Imprensa: Como chefe da Polícia Secreta qual era a sua política em relação às crianças?

Ministro: Víamos as crianças como uma ameaça se - por outras palavras - elas fossem filhas de famílias subversivas.

Imprensa: Então como pôs em prática a sua política em relação a elas?

Ministro: Raptávamo-las e educávamo-las como deve ser ou então matávamo-las.

Imprensa: Como é que as matavam? Qual era o método adoptado?

Ministro: Partir-lhes o pescoço.

Imprensa: E às mulheres?

Ministro: Violá-las. Fazia tudo parte de um processo educativo, percebe. Um processo cultural.

Imprensa: Qual era a natureza da cultura por si proposta?

Ministro: Uma cultura baseada no respeito e nas regras da lei.

Imprensa: Como é que vê o seu actual papel de Ministro da Cultura?

Ministro: O Ministro da Cultura apoia-se nos mesmos princípios que os guardiões da Segurança Social. Acreditamos numa compreensão saudável, musculada e terna da nossa herança cultural e das nossas obrigações culturais. Estas obrigações incluem naturalmente a lealdade ao mercado livre.

Imprensa: E a diversidade cultural?

Ministro: Nós subscrevemos a diversidade cultural, temos fé numa troca de pontos de vista flexível e vigorosa, acreditamos na fecundidade.

Imprensa: E a divergência crítica?

Ministro: A divergência crítica é aceitável - se for deixada em casa. O meu conselho é o seguinte - deixem-na em casa. Guardem-na debaixo da cama. Ao lado do penico do mijo.
Ele ri-se.
É lá que é o lugar dela.

Imprensa: Disse no penico do mijo?

Ministro: Se não tens cuidado eu ponho-te a cabeça no penico do mijo.
Ele ri-se. Eles riem-se.
Deixe-me esclarecer isto bem. Precisamos da divergência crítica para nos manter nas pontas dos pés. Mas não a queremos no mercado ou nas avenidas e praças das nossas grandes cidades. Não a queremos manifestada nas casas das nossas grandes instituições. Damo-nos por felizes se ela ficar em casa, isso significa que nós podemos aparecer a qualquer altura e ler o que está debaixo da cama, discuti-lo com o escritor, dar-lhe pancadinhas na cabeça, apertar-lhe a mão, dar-lhe talvez um pequeno pontapé no rabo ou nos tomates e deitar fogo a tudo. Através deste método mantemos a sociedade livre de infecções. Existe, claro, contudo, sempre espaço para a confissão, o recolhimento e a redenção.

Imprensa: Então vê o seu papel como Ministro da Cultura como vital e frutuoso?

Ministro: Imensamente frutuoso. Acreditamos na bondade inata do vosso manel vulgar e da vossa maria. É isto que procuramos proteger. Procuramos proteger a bondade essencial do vosso manel vulgar e da vossa maria vulgar. Vemos isso como uma obrigação moral. Estamos determinados a protegê-los da corrupção e da subversão com todos os meios que temos à nossa disposição.

Imprensa: Senhor Ministro, obrigado pelas suas palavras francas.

Ministro: O prazer foi meu. Posso dizer mais uma coisa?

Imprensa: (vários) Por favor. Sim. Sim por favor. Por favor diga. Sim!

Ministro: De acordo com a nossa filosofia... aquele que se perde é encontrado. Obrigado!

Aplausos. O Ministro acena e sai. »

2005-07-07

Amália Rodrigues


A nossa querida Amália Rodrigues! As saudades deveriam ser proibidas.

Cultura

As televisões portuguesas ainda não sabem o que é o jornalismo cultural. A TVI é, obviamente, a pior de todas, mas as outras também não se livram de críticas. O país está cheio de artistas talentosos e, não obstante, os horários nobres continuam entregues a futebolistas analfabetos e políticos. Actores, músicos, escritores e cineastas? Nem vê-los!

2005-07-04

O Exorcista


O filme O Exorcista (1973), de William Friedkin, possui uma complexidade que o faz assemelhar-se a um enorme labirinto. Trata-se de uma obra atravessada por inúmeras relações e referências interiores: uma impressão ou um acontecimento correlacionam-se de um extremo ao outro do filme; cada figura só adquire sentido quando contraposta a todas as outras figuras; e cada plano só pode ser compreendido e iluminado pela totalidade do conjunto. Toda esta arquitectura complicada é animada por uma questão eterna, que é também um dos temas predilectos do cinema de terror: o conflito entre religião e ciência. As possessões pelo diabo sempre foram, aliás, uma dessas zonas fronteiriças em que ciência médica e religião se cruzam com desconfiança mútua e propõem soluções próprias.

A primeira parte do filme dá a palavra à medicina. A jovem protagonista Regan Teresa MacNeil, tomada por um mal desconhecido, é submetida pela sua mãe a uma longa via sacra de exames médicos: radiografias, um electroencefalograma e uma biopsia à coluna, ao que se segue uma análise psiquiátrica e um período de observação na Clínica Barringer, em Dayton. A estes exames, que mais parecem rituais de magia negra, o filme acrescentou o arrepiante arteriograma, que provocou na altura inúmeros enjoos e desmaios entre os espectadores. A ciência médica será, todavia, impotente para descortinar a origem do mal da protagonista.

A segunda parte é protagonizada pela religião. Os dois médicos de Regan são substituídos por dois exorcistas da Igreja Católica. Um desses sacerdotes, Damien Karras, é como que um cruzamento exótico dos domínios da religião e da medicina, pois é um padre que exerce simultaneamente as funções de conselheiro psiquiátrico. Karras cursou medicina em escolas tão respeitáveis como Harvard, Bellevue ou Johns Hopkins e, se não fosse padre, seria já «um famoso psiquiatra da Park Avenue». Mais: ele é um jesuíta. A Companhia de Jesus desempenhou um papel considerável no desenvolvimento científico e o peso da ciência nos seus colégios foi sempre mantido contra tudo e contra todos. Karras, como os seus colegas jesuítas, é um religioso que procura servir a ciência sem trair a sua fé.

As duas partes do filme são intervaladas por uma sequência memorável: a conferência dos médicos na Clínica Barringer. O director da clínica desdobra-se em pretextos e explicações inconsequentes, mas Chris MacNeil já não ouve nada, perdida que está no mundo do seu desespero. De súbito, o médico remete-se a um silêncio longo e agoirento. Segue-se a afirmação mais surpreendente de todo o filme: «Alguma vez ouviu falar em exorcismos?». A sugestão cai como uma bomba. Chris, que nunca foi uma mulher religiosa, está incrédula: «Estão a dizer-me que leve a minha filha a um feiticeiro?». Claro que o médico procura amenizar o insólito das suas palavras, ao dizer que é um tratamento de choque e que assenta puramente no poder de sugestão, mas não deixa de assinar a capitulação da ciência.

A admissibilidade dos exorcismos pressupõe que o diabo seja uma entidade concreta e actuante no mundo dos homens. Há, porém, uma teologia racionalista e reducionista que relega o demónio e o mundo dos espíritos para a condição de simples etiqueta que cobre tudo aquilo que ameaça o homem na sua subjectividade. Estas concepções foram condenadas pelo famoso discurso do Papa Paulo VI de 15 de Novembro de 1972, que fala de um «espírito sombrio e perturbador que realmente existe e actua com argúcia traiçoeira; ele é o inimigo secreto que semeia erros e desgraças na história humana».

Um vilão destes assenta como uma luva a um filme como O Exorcista. Teria sido possível que a protagonista estivesse a ser atormentada apenas pela alma de um defunto. Mas não. Regan diz claramente que é prisioneira do próprio diabo, o grande algoz da humanidade. Aliás, na iconografia cristã, o diabo é geralmente associado a um labirinto – figura central em todo o filme, desde as ruínas do Iraque até às ruas tortuosas de Washington – no qual os homens são aprisionados. Mas será possível a libertação de um antagonista como este, que se confunde com o próprio Mal? Talvez. O diabo não é invencível: ele na realidade tem medo, porque a vida é uma invenção divina e o homem o seu produto mais acabado.

A este imenso vilão opõe-se um herói fraco e hesitante. Karras, que aconselha profissionalmente padres com crises de vocação, é um sacerdote atormentado: o falecimento recente da mãe num asilo miserável deixou-o sem fé e dilacerado por um sentimento de culpa atroz. Todos os seus medos são representados simbolicamente na celebérrima sequência onírica: os motivos do relógio de pêndulo, dos cães do deserto ou da medalha de São José que servirá como uma espécie de fio de Ariadne ressurgirão ciclicamente ao longo de todo o filme. A sucessão de imagens, que mais parece saída de um daqueles antigos filmes surrealistas que Friedkin tanto aprecia, é inquietante e sugere que os destinos dos três protagonistas estão de algum modo ligados. Outra sequência admirável pelo seu poder de síntese é a da visita à Mãe Karras: a entrada do padre provoca grande agitação junto das doentes mentais (estarão também possessas?) e o comportamento da idosa acamada prenuncia os malefícios que mais tarde afligirão a pobre Regan.

2005-07-02

Blogues óptimos

Vamos lá a ver se não me esqueço de nenhum: as Teoriastupidas, do Lord Dogs; o Cine 7, do Turat Bartoli; a Avenida Vastulec, da Helena Miranda; e ainda os Meus Silêncios e Shine, ambos da Gabs.