2004-11-12
Metropolis (iii)
Metropolis é não apenas uma síntese da obra de Fritz Lang, mas também de toda a Ufa e por arrastamento do cinema mudo alemão. O filme sumariou os vícios e virtudes da Ufa (e, coerentemente, diz-se que terá contribuído em grande medida para a sua queda) de uma forma que não pode ter sido mero fruto do acaso. Metropolis não foi apenas uma criação do génio de Lang; é também produto das políticas empresariais, técnicas de produção e estratégias de marketing que caracterizaram a maior produtora alemã de sempre.
O mais importante dos acontecimentos para a História do cinema alemão do pós-guerra teve lugar ainda durante o desenrolar do conflito mundial e consistiu na criação da empresa de produção Ufa (Universum Film Aktiengesellschaft) em 18 de Dezembro de 1917. Receando que a indústria cinematográfica alemã não estava fazendo a sua parte no sentido de conquistar os corações e mentes do povo alemão para o esforço de guerra, o comandante-em-chefe do Exército, Erich Ludendorff, reuniu banqueiros, empresários e representantes do Exército para formar uma grande produtora cinematográfica nacional. O poderio económico da Ufa era enorme e a empresa logrou expandir-se de uma forma voraz, quer vertical (comprando empresas distribuidoras e cinemas) quer horizontalmente (adquirindo o controlo das maiores produtoras, com a excepção assinalável da Decla de Erich Pommer, excluída até 1921).
Por entre o caos do após guerra, a Ufa fortaleceu-se continuamente. Apesar de se ter estruturado como uma organização militar, os banqueiros e industriais envolvidos estavam mais interessados no sucesso comercial, o que limitava qualquer simples agenda propagandística que Ludendorff pudesse ter em mente. Eram aqueles quem abriam os cordões à bolsa e no início dos anos 20, quando finalmente se fundiu com a Decla, a Ufa era na verdade um sucesso financeiro e poderia mesmo chegar a competir com o studio system de Hollywood no qual se havia modelado. Através do seu programa de fusões, uma série infindável de talentos foram convidados a ingressar nas suas fileiras: grandes vedetas como Asta Nielsen, Pola Negri e Emil Jannings, juntamente com realizadores como Lubitsch, Lang, Robert Wiene, F. W. Murnau e G. W. Pabst. Mas a Ufa não se limitava a copiar a organização de Hollywood: graças às vastas somas de dinheiro ao seu dispor, as suas estrelas puderam também começar a auferir salários equivalentes aos dos americanos, possibilitando, por algum tempo, a sua permanência na Alemanha.
O célebre Erich Pommer, produtor e director da Ufa, desempenhou um papel fundamental. Como dirigente da Decla, Pommer havia lançado as fundações do que ficaria conhecido como o expressionismo alemão, ao produzir Das Cabinet des Dr Caligari (1919); depois da fusão da Ufa com a Decla-Bioscop em 1921, Pommer assumiu o controlo da nova empresa antes de se tornar oficialmente o seu chefe de produção de 1923 a 1925. A missão de Pommer representava um duplo desafio. O seu primeiro objectivo consistia em produzir obras com potencial para exportação, uma vez que os filmes alemães posteriores a 1918 eram em boa medida um meio de restabelecer o prestígio da Alemanha, manchado com a guerra, através de títulos que granjeassem respeito no exterior. Ademais, em meados da década de 1920, os estúdios americanos tinham logrado penetrar nos mercados europeus através do aproveitamento dos seus recursos financeiros enormes, infraestruturas modernas, progressos tecnológicos, um star system populista e agressivas políticas expansionistas de distribuição. O público europeu delirava com as obras hollywoodescas da altura: filmes ligeiros, inconsequentes e divertidos, recheados de suspense, humor, aventura e o inevitável final feliz. Consequentemente, a indústria alemã via-se na contingência de produzir filmes maiores, melhores e ainda mais espectaculares.
Com vista a compensar esta concorrência interna e também a assegurar o sucesso no estrangeiro, Pommer adoptou um discurso fílmico alemão diverso, que já havia delineado nas suas produções Caligari e Genuine (1920), Destiny (1921) de Lang e Schloss Vogelöd (1921). Enquanto que os americanos abordavam temáticas predominantemente realistas, Pommer enveredou pela direcção oposta: o filme de arte estilizado. Aquilo que é geralmente referido como o discurso expressionista dos filmes alemães de meados da década de 1920, nunca representou pois um esteticismo ars gratia artis; Pommer antes encarava arte e apelo comercial como estando directamente relacionados na sua estratégia de produção. A sua convicção era a de que um filme artisticamente conseguido pode ser economicamente lucrativo; consequentemente, o objectivo da sua política de produção era desenvolver os mais elevados padrões artísticos de forma a obter ganhos comparáveis aos que outros conseguiam através da fabricação de sensações básicas para as massas. O leque de obras ia desde os exóticos filmes de aventuras como Die Spinnen (1919) de Fritz Lang, aos grandes dramas históricos como Madame Dubarry (1919) de Ernst Lubitsch (um dos primeiros filmes a fazer evidenciar o cinema alemão junto dos americanos). Na mesma altura, alguns argumentistas e realizadores preconizam um retorno ao realismo; esta experiência, foi teorizada por Carl Mayer sob a designação de Kammerspiel (literalmente, teatro de câmara) e incluiu filmes como Sylvester (1923) de Lupu Pick ou Der letzte Mann (1924) de Murnau. Finalmente, surgem os filmes expressionistas e até 1927 eram estes a grande bandeira do cinema alemão no estrangeiro (é todavia importante notar que não eram eles que dominavam o mercado interno).
O desenvolvimento desta filosofia de cinema simultaneamente artístico e comercial radicava na extraordinária habilidade de Pommer em descobrir e apoiar os realizadores mais adequados à concretização da sua visão. Oferecendo orçamentos massivos e prazos de produção quase ilimitados, Pommer possibilitou que realizadores como Wiene, Murnau, Lang, Dupont e von Gerlach desenvolvessem o seu estilo visual e introduzissem inovações estéticas e técnicas, uma política que se repercutiu no vasto leque e brilhantismo técnico das suas produções. O design marcante de Caligari, a composição pictórica de Die Nibelungen, os extraordinários cenários de Zur Chronik von Grieshuus (1925) de von Gerlach, a câmara móvel de Der letzte Mann (1924) de Murnau e os planos inovadores e ângulos expressivos de Varieté (1925) de Dupont nunca teriam sido possíveis sem o apoio financeiro, cumplicidade artística e paciência beneditina de Pommer.
Expressivamente, os próprios realizadores de Pommer estavam bem cientes que os filmes de arte que produziam eram uma reacção directa à ameaça representada pelo cinema de entretenimento americano, como Lang notava já em 1924:
«A Alemanha nunca teve e nunca terá acesso aos gigantescos recursos financeiros e humanos de que a indústria cinematográfica americana pode dispor. E esta é a nossa sorte. Precisamente porque é isto que nos obriga a responder a esta superioridade puramente material com a nossa superioridade espiritual [geistiges Übergewicht].»
Não obstante, Pommer era suficientemente profissional para reconhecer que nos anos 20, os padrões técnicos da indústria cinematográfica eram estabelecidos por Hollywood. Nesta medida, a ida de Pommer e Lang aos E.U.A. em 1924 tinha por intenção ser uma visita de estudo que daria a Lang a oportunidade de visitar os maiores estúdios norte-americanos e recolher impressões que poderia incorporar no seu próximo projecto fílmico. Nos estúdios da Universal, Warner Brothers e United Artists, Lang testemunhou em primeira mão os seus métodos de produção e recursos técnicos. Assistiu às filmagens de O Fantasma da Ópera da Universal e ficou impressionado com o gigantesco cenário no qual, conforme relatou mais tarde, a grande ópera de Paris havia sido reconstruída; em The Lost World, pôde estudar o uso inovador dos efeitos stop motion por Willis O'Brien. O que lhe desagradou, todavia, foi a temática dos argumentos da maioria dos filmes americanos, que na sua opinião eram caracterizados pela monotonia dos enredos e ignorância dos processos históricos.
É certo que no início da década de 1920, a Alemanha podia competir com os Estados Unidos da América e era particularmente influente na Europa. Mas isto não significa que Hollywood não representasse também uma potência importante. Primeiro, o sistema de Hollywood era o modelo que a Ufa até certa medida imitava, culminando com a visita de Pommer e Lang aos Estados Unidos para aprenderem com os mestres e estabelecerem contactos. À medida que a década avançava, tornava-se todavia progressivamente mais difícil para Weimar competir com os Estados Unidos. Cada vez mais estrelas eram atraídas para Hollywood à medida que as condições de trabalho na América começavam a superar as existentes na Alemanha. Ademais, uma percentagem crescente da indústria alemã era financiada pelas grandes companhias norte-americanas. A situação precipitou-se em meados dos anos 20 pois a Ufa quase chegou à bancarrota devido em parte aos custos de produção de Metropolis. Com a economia estabilizada, as dívidas contraídas tinham de ser pagas com dinheiro vivo que a Ufa não tinha. A Paramount interveio e a empresa foi salva. Mas o destino estava traçado para a produtora alemã, que entrou em lento declínio até ser finalmente tomada pelos nazis em 1933, ganhando então notoriedade com filmes de propaganda política, como Kolberg (1945) de Veit Harlan. A empresa viria a ser desmantelada em 1945, refundada na década de 1950 e posteriormente controlada por Bertelsmann.
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