2004-07-11
Metropolis
Bem-vindos a Metropolis. Estamos no ano 2026 d.C. e a cidade estende os seus braços por uma vastidão interminável. No coração da urbe, acima do Estádio Olímpico e da floresta de arranha-céus, uma nova e colossal torre de Babel ergue-se vigilante e ombreia com as estrelas. Mas Metropolis oculta segredos assustadores. Enquanto que nos jardins suspensos os filhos dos poderosos se entregam ao ócio e a divertimentos dúbios, nos subterrâneos as sirenes anunciam às legiões de escravos a mudança de turnos. A revolta está, todavia, iminente e trará consigo o caos, a violência e a destruição.
Metropolis (1926) é um filme extraordinário de Fritz Lang e a mais espectacular das produções da Ufa. No entanto, à data da sua estreia esteve longe de ser uma obra de consensos. Sentimental e monumental em idênticas porções, a obra-prima expressionista de Lang tanto maravilhou pelo gigantismo da sua composição visual quanto escandalizou pela sua prolixidade, extravagância e heterogeneidade. O seu controverso argumento versava os mais díspares temas (pobreza nas cidades, conflitos sociais, choques de gerações, vícios e virtudes da tecnologia) de uma forma que parecia completamente gratuita e desgarrada. Estaríamos afinal perante «o mais tolo dos filmes», nas palavras de H. G. Wells, ou «o mais extraordinário e singular espectáculo alguma vez mostrado nos ecrãs»? Num ou noutro extremo afectivo, ninguém parecia ficar indiferente. A receita da polémica? Arranjam-se dez toneladas de terror, junta-se uma pitada de sentimentalismo, cozinha-se com uma abordagem social e misticismo quanto baste e por fim tempera-se com um orçamento milionário.
Metropolis foi e é um filme de dimensões ciclópicas. Terá custado cerca de cinco milhões de marcos e só nas iluminações e décors gastaram-se 400.000. A sua equipa técnica reunia os nomes mais prestigiados do cinema alemão: além do próprio Fritz Lang, também Karl Freund, Günther Rittau, Otto Hunte, Erich Kettelhut, Karl Vollbrecht e Änne Willkomm. Os números da produção são ainda hoje impressionantes: 620.000 metros de negativo, 1 milhão e 300 mil metros de película positiva, 750 actores secundários, 25.000 figurantes masculinos, 11.000 figurantes femininos, 1.000 carecas, 750 crianças, 100 negros, 25 chineses, 3.500 pares de sapatos, 75 cabeleiras postiças, 50 automóveis de modelo especial. Eugen Schüfftan foi incumbido dos efeitos especiais que permitiram simular a cidade do futuro, mas vários décors foram mandados fazer em Neubabelsberg. O célebre robot, encomendado ao grande escultor Schultz-Mittendorf, custou fortunas. Nunca um filme havia demorado tanto tempo a rodar (as filmagens iniciaram-se em Maio de 1925 e terminaram em Outubro de 1926) e a montar. Só a 10 de Janeiro de 1927 é que a sua grandiosa estreia teve lugar.
Já em Abril de 1927, a Ufa terá compreendido que Metropolis, projectado para gerar lucros de um milhão de marcos, acabaria por se tornar num fiasco financeiro. O filme terá sofrido a mesma sorte de muitos dos actuais blockbusters: um enorme esforço publicitário suscitou grande interesse e avultadas receitas de bilheteira nas suas primeiras semanas de exibição, mas assim que as notícias das suas falhas começaram a circular, o interesse do público desvaneceu. O advento do filme sonoro em 1927 com The Jazz Singer constituiu outro golpe profundo para Metropolis, obnubilado pelo entusiasmo do público em redor dos novos talkies.
Como grande aposta da Ufa, na tentativa de salvar a empresa das mãos dos seus competidores, Metropolis tinha falhado redondamente. Os produtores necessitavam de bodes expiatórios para este desastre e encontraram-nos em Fritz Lang e Erich Pommer, que foram publicamente responsabilizados pelos problemas financeiros da empresa. Lang protestou e exigiu a constituição de um tribunal arbitral para comprovar que os custos de produção haviam sido, na realidade, consideravelmente inferiores aos divulgados: cerca de cinco milhões de marcos. Mesmo que a Ufa estivesse correcta a propósito desta quantia, a verdadeira razão da sua ruína estava não em Metropolis mas sim na sua estratégia de gigantescas produções de filmes de arte, conjugadas com as políticas megalómanas da empresa. Metropolis era um sintoma e não a causa da ruína da Ufa.
Não obstante, a Ufa tirou daí as suas ilações e foi deliberado que quaisquer novas colaborações com o realizador deveriam estar sob apertado controlo orçamental. Abismado com as acusações, Lang opta por fundar a sua própria produtora, Fritz Lang Films, que produziu Spione (1928) e Frau im Mond (1929); a Ufa limitou-se a distribuir os seus últimos filmes mudos. Após mais um desentendimento respeitante ao uso de som em Frau im Mond, a separação foi definitiva. Com o falhanço de Metropolis bem presente, o conselho de administração da Ufa deliberou numa reunião em 1929 no sentido da cessação de todos os contactos com Fritz Lang; ao que parece, a ruptura terá mesmo chegado ao ponto de se ordenar aos membros da direcção da Ufa a frieza e distanciamento no tratamento pessoal com o realizador. Em 1929, terminava desta forma conturbada uma das mais prolíficas parcerias da história do cinema e, suprema ironia, devido a um filme que ainda hoje é celebrado como um dos maiores marcos da Sétima Arte.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
8 comentários:
é uam das mais curiosas distopias. Tem lá todos os mitos das cidades utópicas e até uma referência ao sacro bosco de Bomarzo ";O)
Beijocas
Não apareceu?!
Enviar um comentário