2005-03-08

Os críticos

Os críticos de cinema portugueses são francamente maus. Quase todos são seres pedantes, ignorantes da história do cinema e desconhecedores do que são os bastidores de um filme. Muitos escrevem sem brilho e objectividade. Outros ainda, menosprezam quase tudo o que seja produzido em Portugal, porque só é bom aquilo que é estrangêro. Claro que também há excepções, como os sempre excelentes e sabedores João Lopes, Lauro António e Bénard da Costa, além de vários blogues cinéfilos de enorme interesse, mas a maioria das coisas que lemos na imprensa dita tradicional estão muito abaixo do medíocre. Todos os que conhecem as redacções dos nossos jornais, sabem como é que as coisas se passam: «se não sabes fazer nada, vais para a crítica de cinema». É pena, pois a crítica não é uma figura menor e a sua influência junto do público está longe de ser despicienda.

Escrever uma crítica de cinema não é uma tarefa simples e as dificuldades começam com a complexidade do seu objecto: os filmes. Afinal, do que devemos falar quando falamos de um filme: o argumento? A montagem? Os actores? Mais: apesar de os puristas limitarem a crítica aos aspectos formais e a investigação académica às implicações culturais, o ponto ideal estará algures entre esses dois extremos. Tudo visto, teremos de concordar com Jean Cocteau quando afirmava que a musa do cinema «é excessivamente rica». O crítico deve começar por traçar uma estratégia de abordagem e seleccionar aquilo que lhe interessa de entre toda esta riqueza; aliás, o termo crítica deriva do verbo grego krinõ, que significa precisamente separar, distinguir, julgar. Depois, há que integrar com criatividade e sentido aquilo que se escolheu.

Outra particularidade está no carácter pragmático do cinema. Um filme é um empreendimento que resulta do encontro de forças muito diversas – produção, tecnologia e distribuição – e o crítico deve por isso munir-se de cuidados acrescidos. Nenhum filme é mau ou bom por causa das suas limitações de orçamento, mas é necessário ajustar expectativas: não é o mesmo julgar uma grande produção de Hollywood e um pequeno filme independente. No caso das produções africanas ou sul-americanas, o seu aspecto rudimentar poderá ser tanto um efeito secundário das dificuldades orçamentais quanto uma afirmação ideológica consciente e deliberada. O caso ainda recente do excelente filme angolano O Herói (2004), de Zé Zé Gamboa, foi expressivo: muitos críticos da nossa terra torpedearam a obra com toda a espécie de adjectivos desagradáveis, enquanto que lá fora, o filme acumulou prémios. Porque a versão exibida cá e lá foi rigorosamente a mesma, temos de concluir que os nossos críticos erraram e não conseguiram compreender a importância (que é coisa substancialmente diferente de gostar ou não gostar) desta primeira longa-metragem angolana.

Mas não basta compreender. Na sua obra-prima A Noite Americana (1973), Truffaut fala da distância abissal entre a idealização de um filme e a concretização dessa ideia; o mesmo se pode dizer da escrita sobre cinema, pois as boas ideias não são suficientes, é preciso saber expressá-las bem. Ora, a crítica é um texto caracteristicamente argumentativo que se dirige ao grande público consumidor de filmes; é isso que a distingue de outras formas de análise do cinema, como o ensaio crítico ou o ensaio teórico. O público privilegiado de uma crítica é por isso composto não por estudiosos, mas leigos que vêem os filmes por gosto. Insensíveis a esta evidência, os críticos que lemos minam os seus textos com um palavreado excessivamente técnico, muitas vezes sem qualquer rigor e de forma ininteligível para a generalidade dos leitores.

7 comentários:

Anónimo disse...

Concordo plenamente. E acho que a crítica está cada vez pior e mais tendenciosa. É pena...

dermot
Royale With Cheese
www.cinephilus.blogspot.com

Anónimo disse...

a questão da crítica não é uma questão simples. há muitas perspectivas, muitas formas de abordar, das mais académicas às mais "comerciais".
por isso não percebo, porque razão engloba tudo no mesmo saco, disparando para muitas pessoas e nunca dando exemplos concretos.
isto é, a conversa de que a crítica portuguesa não presta é milenar (aliás, existe desde que há crítica jornalística como a conhecemos - datada da década de 20), sem que se perceba porquê.
se há coisa que a crítica portuguesa me merece (e falo da maior parte dos jornais portugueses) é a capacidade de escrever com liberdade (oh, e como isso é importante).
Daí que, se passarmos os olhos do Público, ao DN, passando pelo Expresso ou pela Première (sem falarmos em revistas digitais) me pareça que a crítica portuguesa até é plural e diversificada.
é uma opinião.

Daniel Ribas
cdecritica.com
danielribas@clix.pt

Flávio disse...

Tens toda a razão, dermot. Houve um caso interessante e que dá para pensar que foi o do excelente filme Noite Escura. Os críticos portugueses teceram os maiores elogios (aliás, plenamente merecidos), mas mesmo assim, o filme não fez grande coisa nas bilheteiras, ao que parece. Um abraço cinéfilo.

Flávio disse...

Obrigado pelos teus excelentes comentários, caro Daniel Ribas, mas eu não acho que tenha misturado as coisas. Eu disse claramente que estava a falar apenas de uma forma em particular de análise de filmes – a crítica da imprensa – e ressalvei que existem vários críticos portugueses de muita qualidade. Também ressalvei que há muitos sítios portugueses de qualidade, nos quais incluo o teu, que agora tive o prazer e a sorte de descobrir. Por isso, reafirmo tudo o que escrevi e acrescento algumas perguntas: se os críticos portugueses são assim tão descomprometidos e livres como dizes, porque é que eles favorecem sistematicamente os mesmos produtores em detrimento de outros? Porque é que um cineasta português tem de primeiro singrar no estrangeiro para poder ser reconhecido cá dentro (vide o exemplo do Manoel de Oliveira)? Se os americanos têm o Roger Ebert e os ingleses o Barry Norman, porque é que em Portugal não há um único crítico que seja um nome ouvido, respeitado e reconhecido pelo grande público? Porque é que a imprensa portuguesa ignora repetidamente tantas produções nacionais? Porque é que os nossos críticos, até como forma de credibilizarem os seus juízos, não acompanham a assinatura dos seus textos de uma indicação das habilitações que têm em matéria de cinema (se é que têm algumas…), em vez de se ocultarem atrás das iniciais? Finalmente, porque é que, de cada vez que abro um jornal na secção de cinema, tenho que tropeçar na linguagem macarrónica e clichés (“as obras-primas absolutas”, “a volúpia das imagens”, etc.) do costume?

Saudações cinéfilas e um abraço!

gonn1000 disse...

"porque é que, de cada vez que abro um jornal na secção de cinema, tenho que tropeçar na linguagem macarrónica e clichés (“as obras-primas absolutas”, “a volúpia das imagens”, etc.) do costume?"

Sim, essa questão de encontrarem uma obra-prima quase todas as semanas também é curiosa...

Anónimo disse...

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