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Donnie Darko (2001) é um filme ambíguo e complexo. O argumento parece demasiado confuso, pois preocupa-se mais em colocar questões fascinantes do que fornecer respostas claras. Isto faz da obra de estreia de Richard Kelly uma raridade em Hollywood, já que os guionistas americanos prezam muito os enredos claros, coerentes e bem ordenados. Porém, tudo em Donnie Darko tem uma explicação. Na verdade, este filme sobre viagens no tempo é uma espécie de quebra-cabeças gigante. As soluções estão lá todas escondidas como ovos de Páscoa, mas é preciso saber procurar nos sítios certos.
A referência à Breve História do Tempo, de Stephen Hawking, é uma pista importante. O livro fornece uma explicação para a evolução do Universo e procura uma teoria unitária que concilie duas teorias parciais fundamentais: a mecânica quântica e a teoria da relatividade geral. A relatividade determina que o tempo não está completamente separado nem é independente do espaço, mas sim combinado com ele, para formar um objecto chamado espaço-tempo. Isto permite, teoricamente, as viagens através do tempo. Hawking admite mesmo que haja pontes ou atalhos, chamados buracos de verme, para chegar às regiões mais distantes do espaço-tempo. Ao regressarmos ao passado através de uma dessas pontes, estaríamos a criar um universo alternativo e faríamos com que o tempo fluísse em dois cursos paralelos.
A viagem no tempo é teoricamente possível, mas apresenta dificuldades práticas tremendas. Não só porque os buracos de verme são instáveis e só existem por períodos muito breves, mas também porque as quantidades de combustível necessárias para uma viagem dessas são imensas. Então, como conseguiu Donnie Darko recuar ao passado? O livro A Filosofia das Viagens no Tempo dá-nos a resposta: tudo decorre num Universo Tangente em que o nosso protagonista foi escolhido como Receptor Vivo para devolver um Artefacto ao Universo Primário. Ora, o Receptor Vivo é muitas vezes abençoado com poderes sobrenaturais, que incluem força acrescida, telepatia e a habilidade de manipular o fogo e a água. Isto explica que Donnie tenha conseguido inundar a escola, incendiar a casa e enfiar o machado na estátua de bronze.
As acções de Donnie Darko são guiadas por Frank, o misterioso Coelhinho Gigante. Toda a mise en scène do realizador Richard Kelly parece indiciar que o Coelho é uma personagem maléfica: a voz distorcida, as sombras que o envolvem e os actos de destruição (o incêndio e a inundação) que ele desencadeia. Porém, Frank não tem nada de maligno. Ele é, na verdade, um mensageiro regressado do futuro e a sua intenção é auxiliar Donnie a resgatar a Humanidade da destruição pelo Universo Tangente. E se Frank obriga o jovem herói a cometer alguns actos de violência, é apenas para que seja colocada em movimento a extraordinária sequência de acontecimentos que levará à salvação do mundo: a inundação da escola leva ao encontro do protagonista e da sua namorada; juntos, eles poderão então entregar-se em sacrifício.
Frank não está só, pois todos os outros habitantes da cidade também auxiliam o protagonista. Eles são os chamados Manipulados Vivos e fornecem continuamente pistas para a solução do mistério: a professora de inglês refere a expressão Cellar Door, que conduzirá o protagonista à casa da Avó Morte; a partida da mãe permite a realização da fatídica festa de bruxas; e até os dois rufias são fundamentais, pois acabam por provocar o atropelamento. No final, todos eles sobreviverão e estarão reunidos na magnífica sequência ao som da canção Mad World.
Resta saber quem é o grande responsável pela manipulação de todas estas personagens. Uma possibilidade é que ela tenha partido de uma civilização mais evoluída que a nossa: os sonhos de Donnie mostram-nos uma cidade do futuro inundada em água e o próprio Stephen Hawking escreveu que uma tecnologia avançada poderia utilizar com sucesso os buracos de verme. Outra possibilidade é a intervenção divina, que também é sugerida pelo filme. Esta solução tem consequências teológicas: Deus não seria um Grande Relojoeiro que dá corda ao mundo e se afasta para nunca mais intervir, mas é, pelo contrário, um criador que pode mudar de ideias e actuar no seu Universo através de milagres.