2006-04-05

Agostinho da Silva

O Professor Agostinho da Silva foi um defensor do direito à preguiça. O saudoso filósofo acreditava numa sociedade sem economia, na qual as pessoas pudessem expressar livremente os seus talentos em vez de serem apanhadas numa estrutura organizada que acaba sempre por ser repressiva: «Que o homem possa passar à sua verdadeira vida, que é a de contemplar o mundo, ser poeta do mundo e o mundo poeta para ele, de tal modo que nunca mais ninguém se preocupe por fazer tal ou tal obra». Mais uma vez: «Que o homem possa passar à sua verdadeira vida, que é a de contemplar o mundo». Estas ideias podem parecer um pouco estranhas, sobretudo hoje, que tanto se fala na necessidade dos portugueses serem mais produtivos. Porém, elas estão mais pertinentes do que nunca e demonstram que a filosofia de Agostinho da Silva continua lúcida e actual – um pensamento vivo, no dizer feliz do excelente documentário de João Rodrigo Mattos.

O Professor Agostinho não está só, pois as suas ideias sobre o ócio surgem a jusante de uma longa tradição de filósofos da preguiça. Platão, Marivaux, Rousseau, Cícero, Xenofonte, Aristóteles, Lao-tseu foram enérgicos defensores das virtudes da malandrice. A Antiga Grécia inventou a filosofia e, com isso, o direito à vida contemplativa. Com São Tomás de Aquino, o Ocidente cristão reconhece pela primeira vez a necessidade de um tempo para o repouso e o prazer, um tempo durante o qual se pudesse dormir, descansar, brincar. Mas o maior teórico da preguiça continua a ser o francês Paul Lafargue, discípulo e genro de Marx, que denuncia «o amor ao trabalho» como «uma estranha loucura» responsável por «misérias individuais e sociais que, há dois séculos, atormentam a triste humanidade».

Todos estes pensadores concordam que nem toda a inactividade é verdadeiro ócio. Só é defensável a preguiça que se traduza em inacção criativa, uma ideia que o Professor Agostinho também afirmou expressamente: «O tempo livre, quando não se enche com coisa nenhuma, torna-se absolutamente insuportável, destruindo o indivíduo por completo. É a razão por que morre tanto reformado já que, deixando de ter o seu emprego, se não encontrar novos objectivos na vida, a morte seguir-se-á rapidamente». Tudo o que não propicia a redescoberta da individualidade é uma impostura: não há nada de particularmente interessante na chamada power nap (a sesta dinâmica) que os americanos inventaram ou na obsessão quase doentia daqueles casais que insistem em passar revista a todos os livros, filmes e espectáculos que estejam na moda.

A ligação da preguiça ao pensamento criativo faz dela uma questão política e muito problemática. A industrialização engenhocou toda uma nova cultura do tempo, que repartiu o quotidiano em três partes desiguais: o trabalho, o sono e, residualmente, o lazer. O movimento sindical tem encetado uma luta de décadas no sentido da igualização destes três tempos, mas o trabalho permaneceu no imaginário colectivo como o grande objectivo da existência humana. Daí o cariz subversivo da preguiça: se os novos princípios do progresso transformam os homens em escravos da profissão e maníacos do lucro, então a preguiça converte-se em verdadeiro princípio revolucionário. E a luta dos ociosos começa lentamente a ganhar um carácter organizado e transnacional, graças à constituição de autênticos sindicatos da preguiça nos mais diversos países: Bélgica, Alemanha, Estados Unidos e até o diligente Japão. Em França, organizações como os Chômeurs heureux ou o Parti Oisif preconizam a «erradicação do trabalho para suprimir o desemprego». Travesseiros ao alto!

3 comentários:

Anónimo disse...

Vim desejar um bom fim-de-semana. Abraço.

Flávio disse...

Um grande homem, sem dúvida, e que muita falta nos faz nestes dias complicados. Felizmente, ainda temos as 'aspirinas': os livros e os DVDs com as magníficas entrevistas do Professor Agostinho.

Anónimo disse...

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