2005-07-16

João Canijo


O realizador João Canijo é um artista com o dom da palavra. Os seus filmes são uma celebração permanente da linguagem, que é sempre arrojada e inventiva. Aliás, as palavras também são imagens: tal como os pensamentos são retratos das coisas, também as palavras são retratos dos pensamentos – ou seja, as suas imagens. O Mestre Manoel de Oliveira costuma mesmo dizer que a palavra é a essência do cinema. Talvez Canijo não vá tão longe, mas a riqueza vocabular dos seus filmes é, sem dúvida, imensa: as palavras são, tanto quanto os décors, a banda sonora ou o guarda-roupa, um instrumento para criar ambientes e caracterizar personagens.

O filme Sapatos Pretos (1998) é, contudo, de poucas falas. Os diálogos não abundam e, quando surgem, são rudes, secos e frugais. Claro que isto não representa qualquer incapacidade literária acidental do Autor, pois o encanto da linguagem do filme está precisamente nesse seu primitivismo. Os três protagonistas, tão sórdidos que mais se assemelham a bichos, são quase incapazes de falar, porque a palavra é uma faculdade exclusivamente humana. A função poética está, por isso, ausente. A linguagem de Sapatos Pretos animaliza as personagens e liga-se aos instintos básicos que norteiam a sua existência: comer, foder, matar. A frase emblemática do filme, aquela que melhor condensa o seu espírito, é «tenho fome».

Seguiu-se Ganhar a Vida (2001), um retrato impiedoso do quotidiano dos portugueses em França. Para a protagonista, uma Antígona portuguesa e de fracos recursos económicos, a vida é um acto de equilíbrio precário. Não é fácil formar uma identidade cultural quando se está encurralada entre uma sociedade francesa hostil e estranha – a mesma que ainda hoje proíbe os véus islâmicos nas escolas – e uma comunidade portuguesa insular, autista e com os olhos virados para dentro. A linguagem, que é também um produto cultural, hesita entre um mundo e outro: expressões como «eu tenho um rendez-vous com o Manel», «ela era muito copine com o Álvaro» ou «fazer um cadeauzinho» multiplicam-se ao longo do filme todo.

A morte injusta de um filho cairá como uma bomba atómica neste quotidiano frágil. Quando a protagonista resolve redigir «uma pétition» para que estas coisas não se repitam, só encontra incompreensão por parte dos seus compatriotas. Mas ela não pretende desistir. O seu inconformismo, que emerge no clamor «A gente está aqui no que é nosso», acabará por conduzi-la às maiores infelicidades e, no final, ao suicídio. Vem-nos à memória aquela interrogação tenebrosa da Antígona sofocliana: «Quem vive como eu, no meio de tantas calamidades, como não há-de considerar a morte um benefício?»

Depois de França, Canijo virou-se para o submundo dos bares de alterne, com os seus dramas, os seus crimes e a sua linguagem particular. O filme Noite Escura (2004) é uma cacofonia permanente: as conversas sussurradas, os sotaques estrangeiros e o jargão da noite sobrepõem-se. As palavras são sujas e impregnadas de sexo. Toda esta linguagem evolui numa espiral ascendente de violência, que culmina com a matança às mãos de um bando de Eríneas sob a forma de mafiosos de Leste. O destino, protagonista invisível de todas as tragédias gregas, assim o impôs: «o que tem de ser tem muita força».

9 comentários:

Anónimo disse...

Bom fim-de-semana.

Anónimo disse...

É um dos melhores realizadores portugueses, capaz de se pôr lado a lado com muitos internacionais.
"Noite escura" é um dos meus filmes preferidos em português. A maneira como Canijo adaptou a tragédia grega e todos os mitos à volta desta a uma realidade contemporânea é reveladora de um talento para contar (e recontar) histórias que poucos têm.

Anónimo disse...

Um grande talento português :)!

Cumps. cinéfilos

António Caeiro disse...

passei por aqui ... e gostei do blog ... já agora aqui fica o meu: http://monsarazemfotos.blogspot.com/

gonn1000 disse...

É um bom realizador..."Noite Escura" foi uma bela surpresa...

Anónimo disse...

é um realizador que eu gostava de conhecer pessoalmente...e até de fazer uma perninha num dos seus filmes...(sonhar tb é bom!)
Valeria Mendez

Flávio disse...

Eu gostaria de ter ouvido a Valéria a cantar "Com que voz, cantarei meu triste fado..." no filme Ganhar a Vida, do Canijo. A Rita Blanco deu o seu melhor, mas dizem que é um tema dificílimo de interpretar.

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

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