2005-07-08

Conferência de Imprensa

Por Harold Pinter

«Imprensa: Senhor Ministro, antes de ser Ministro da Cultura creio que o senhor foi chefe da Polícia Secreta.

Ministro: Correcto.

Imprensa: Vê alguma contradição entre estes dois papéis?

Ministro: Absolutamente nenhuma. Como chefe da Polícia Secreta tinha a responsabilidade, especificamente, de proteger e garantir a nossa herança cultural de forças cuja intenção é subvertê-la. Defendíamo-nos do verme. E ainda nos defendemos.

Imprensa: O verme?

Ministro: O verme.

Imprensa: Como chefe da Polícia Secreta qual era a sua política em relação às crianças?

Ministro: Víamos as crianças como uma ameaça se - por outras palavras - elas fossem filhas de famílias subversivas.

Imprensa: Então como pôs em prática a sua política em relação a elas?

Ministro: Raptávamo-las e educávamo-las como deve ser ou então matávamo-las.

Imprensa: Como é que as matavam? Qual era o método adoptado?

Ministro: Partir-lhes o pescoço.

Imprensa: E às mulheres?

Ministro: Violá-las. Fazia tudo parte de um processo educativo, percebe. Um processo cultural.

Imprensa: Qual era a natureza da cultura por si proposta?

Ministro: Uma cultura baseada no respeito e nas regras da lei.

Imprensa: Como é que vê o seu actual papel de Ministro da Cultura?

Ministro: O Ministro da Cultura apoia-se nos mesmos princípios que os guardiões da Segurança Social. Acreditamos numa compreensão saudável, musculada e terna da nossa herança cultural e das nossas obrigações culturais. Estas obrigações incluem naturalmente a lealdade ao mercado livre.

Imprensa: E a diversidade cultural?

Ministro: Nós subscrevemos a diversidade cultural, temos fé numa troca de pontos de vista flexível e vigorosa, acreditamos na fecundidade.

Imprensa: E a divergência crítica?

Ministro: A divergência crítica é aceitável - se for deixada em casa. O meu conselho é o seguinte - deixem-na em casa. Guardem-na debaixo da cama. Ao lado do penico do mijo.
Ele ri-se.
É lá que é o lugar dela.

Imprensa: Disse no penico do mijo?

Ministro: Se não tens cuidado eu ponho-te a cabeça no penico do mijo.
Ele ri-se. Eles riem-se.
Deixe-me esclarecer isto bem. Precisamos da divergência crítica para nos manter nas pontas dos pés. Mas não a queremos no mercado ou nas avenidas e praças das nossas grandes cidades. Não a queremos manifestada nas casas das nossas grandes instituições. Damo-nos por felizes se ela ficar em casa, isso significa que nós podemos aparecer a qualquer altura e ler o que está debaixo da cama, discuti-lo com o escritor, dar-lhe pancadinhas na cabeça, apertar-lhe a mão, dar-lhe talvez um pequeno pontapé no rabo ou nos tomates e deitar fogo a tudo. Através deste método mantemos a sociedade livre de infecções. Existe, claro, contudo, sempre espaço para a confissão, o recolhimento e a redenção.

Imprensa: Então vê o seu papel como Ministro da Cultura como vital e frutuoso?

Ministro: Imensamente frutuoso. Acreditamos na bondade inata do vosso manel vulgar e da vossa maria. É isto que procuramos proteger. Procuramos proteger a bondade essencial do vosso manel vulgar e da vossa maria vulgar. Vemos isso como uma obrigação moral. Estamos determinados a protegê-los da corrupção e da subversão com todos os meios que temos à nossa disposição.

Imprensa: Senhor Ministro, obrigado pelas suas palavras francas.

Ministro: O prazer foi meu. Posso dizer mais uma coisa?

Imprensa: (vários) Por favor. Sim. Sim por favor. Por favor diga. Sim!

Ministro: De acordo com a nossa filosofia... aquele que se perde é encontrado. Obrigado!

Aplausos. O Ministro acena e sai. »