2006-03-09

Brokeback Mountain


Ang Lee afirmou várias vezes que Brokeback Mountain (2005) não é um filme gay, mas apenas uma história sobre a ilusão do amor. O realizador explicou em numerosas entrevistas quais eram as suas intenções: «Aquilo que me interessava era o aspecto dramático da história, o seu impacto emocional e a forma como podia ecoar nas nossas vidas, independentemente das orientações sexuais». Porém, a simpatia de Lee para com as pretensões das pessoas marginalizadas é evidente em toda a sua filmografia. E na cerimónia da entrega dos Óscares, fugiu-lhe a boca para a verdade quando proferiu um discurso eloquente e emocionado em defesa dos direitos das minorias sexuais. Não há dúvidas que Brokeback Mountain é um filme empenhado na causa dos direitos dos homossexuais.

As convicções ideológicas de Ang Lee estão presentes em toda a sua mise en scène e em particular na apetência pelos grandes cenários naturais. É um motivo que Lee foi buscar ao cinema chinês que ele tanto aprecia e que já se tornou numa imagem de marca do realizador. Dos jardins ingleses de Sensibilidade e Bom Senso à montanha mágica de Brokeback Mountain, os espaços naturais nada têm de decorativo e são também protagonistas de pleno direito, com o seu dramatismo, emotividade e simbologia. Novamente, Ang Lee: «Para mim, a montanha é a principal personagem do filme. Por isso, ela tinha de resultar bem visualmente e por isso passei tanto tempo a filmar lá no alto, ao ponto dos meus assistentes me perguntarem se era mesmo preciso demorar tanto».

O conceito de natureza em Brokeback Mountain é abrangente e inclui não apenas as paisagens mas também as pessoas e a sua sexualidade. Os heróis do filme são dois rancheiros pobres, que interagem com o espaço natural e nele projectam a sua interioridade e os seus conflitos íntimos. Os momentos de maior afecto entre ambos ocorrem muitas vezes junto de um rio, imagem simbólica da fertilidade, da morte e da renovação. Por sua vez, a montanha é um lugar de meditação e isolamento: tal como a montanha de Wudan é o lugar a que o protagonista do Tigre e o Dragão se recolhe para o treino de meditação, também o rancheiro de Brokeback Mountain parte numa viagem de introspecção e descoberta interior. O próprio nome do protagonista (Ennis significa literalmente ilha) sugere essa ideia de solidão e abandono.

A natureza selvagem e indómita da montanha contrasta com o espaço urbano. As mulheres exigentes, os sogros detestáveis (curiosamente, um deles é vendedor de máquinas) ou as crianças ruidosas fazem da cidade um lugar disfórico, que representa a América patriarcal e homofóbica dos tempos da Guerra Fria. É um modelo social que merece as maiores reservas de Ang Lee e nem os ritos e símbolos mais sagrados são poupados ao seu olhar crítico: recordemos a mordacidade com que o realizador filma os jantares em família do Dia de Acção de Graças, por contraponto às refeições solitárias e silenciosas na montanha. Mais uma vez, salta à vista a sua solidariedade com as minorias sexuais. Dir-se-á que o filme é protagonizado por um homem homofóbico, que os dois rancheiros pouco fazem para concretizar os seus sonhos de uma vida em comum e que a palavra homossexualidade nem sequer chega a ser proferida. Porém, tudo isso apenas retrata a complexidade do espírito humano. Se Ang Lee tivesse feito um filme unidimensional ou panfletário, dificilmente teria conseguido a adesão do público e estimulado as pessoas à reflexão sobre o absurdo da homofobia.

16 comentários:

Anónimo disse...

Gostei da tua análise. Resumiste bem tudo aquilo que eu penso sobre o filme :).

Abraço!

Nuno Cargaleiro disse...

Muito boa análise de facto!... concisa e incisiva...

já agora, a minha opinião:
http://movietvaddicted.blogspot.com/2006/02/crtica-brokeback-mountain.html

zazie disse...

mas o discurso do Ang Lee entra no filme?

o filme é militante como os do Rosa von Praunheim?

e eu até gosto muitíssimo desse porque quando uma coisa é boa o resto não importa.

Este é bom. Mesmo muito bom e nem sequer é militante. É uma história de amor.

Só me faltava agora colocar lentes ideológicas para falar de arte...


enquanto fazem arte não chateiam ná política. Só me irritam os gays por isso, por mais nada


os jantares em família são olhados assim porque todo o filme é olhado fora do satus quo,

eles estão à margem, nesse terreno bravio que tão bem descreveste. Mas não é mais nada. Não entra minoria militante em lado nenhuk a não ser em quem sai do filme e tem de ir à procura na vida e na prática do realizador justificazções para o que lá está.

Flávio disse...

Ólhá Zazie! Bem-vinda!

O teu comentário fez-me recordar uma questão muito debatida na narratologia que é a de saber se uma narrativa pode ser totalmente objectiva e abstrair-se por completo da ideologia e personalidade de quem a enuncia. A resposta tem de ser negativa. E isto aplica-se não só à literatura, mas a todas as formas de enunciação, incluindo os filmes.

Ora, no caso do Ang Lee, é evidente a sua simpatia para com as minorias sexuais. Ele mesmo o disse nos óscares e de forma bem contundente. Aliás, em todos os seus filmes é evidente essa simpatia para com as minorias (não só as sexuais, mas de toda a ordem): desde o Pushing Hands a este Brokeback Mountain. Inclusive, no Banquete de Casamento, o herói do filme é um homossexual.

Mas não seriam precisas estas subtilezas cinéfilas para chegar a essa conclusão, basta ver o filme com os olhos abertos. Todas as personagens homofóbicas são metidas a ridículo, desde o sogro detestável às esposas histéricas. Idem sobre os jantares em família. E a sequência em que o Ennis se recorda do homossexual assassinado é a mais chocante do filme. Eu diria mesmo que as únicas personagens simpática do filme são os dois rancheiros homossexuais.

Mais: quando o realizador quis matar um dos protagonistas, escolheu a solução da violência homofóbica e fez questão de o mostrar numa das imagens mais marcantes do filme. E eu pergunto: porquê? O gajo podia ter morrido de milhentas outras formas credíveis, mas o realizador escolheu precisamente essa e por alguma razão o fez. Inclusivamente, podia ter deixado tudo na ambiguidade, mas não: o Ang Lee disse com clareza que o protagonista foi morto por ser gay.

Como eu disse no meu texto, o realizador poderia ter sido ainda mais explícito, mas preferiu ser mais subtil e socorrer-se das matáforas e dos silêncios. Ainda bem que o fez, porque isso torna o filme muito mais interessante. E, como referi no post, se fosse mais óbvio ou panfletário, teria sido contra producente.

Flávio disse...

Parece-me evidente que é um filme activista, mas acho que estou completamente contra a corrente. Toda a gente pensa o contrário da minha opinião.

Um pouco como o Tirésias! lol

Beijinhos, Zazie!

zazie disse...

mas tu estás a confundir o filme com o que o realizador faz ou é na vida real.

Eu não disse que ele não seja activista. Estou-me completamente nas tintas para o caso. E não vejo uma obra pelo que está fora dela.

No caso é uma adaptação de um romance e qualquer novilíngua dos nossos dias só serve para a castrar mentalmente.

Não existia sequer a merda da noção de minoria na época!

minoria? que minoria? pura e simplesmente ser homo era uma coisa kinky, uma tara, como o louco da aldeia. Nem havia esse outro fenómeno, essa americanice de "ódio homofóbico" essa é outro produto comercial do século XXI. Outro exemplo de novilíngua. Mias um espartilho de palavras e um espartilho de pensamento.

Tudo o que dizes a esse propósito e uma revisão histórica com olhos do presente e agenda ideológica do presente.

O Ang Lee pode ser isso tudo mas não o misturou.

Até podia ter misturado. O Derek Jarman, por exemplo, é capaz de ler a história e os artistas- como o Caravaggio- como uma encenação gay. Só que para isso criou ele poróprio uma outra linguagem em que essa artificialidade e inverosimilhança funciona.

Não é este o caso e tu estás apenas a pegar no que não faz parte do filme. E isso não serve para entender uma linguagem artística. É apenas uma bengala que até pode deturpá-la.

zazie disse...

mas eu sou uma desgraçada de uma "xinófila" que agit prop só mesmo numa sala às escuras


":OP

Casemiro dos Plásticos disse...

Filme muito interresante!

Flávio disse...

lol Estou a reparar que meti os pés pelas mãos em matéria de mitologia grega: eu quis dizer 'Cassandra', a eterna incompreendida, e não o Tirésias.

zazie disse...

ahaha a Cassandra que até serviu de inspiração para a tese da outra Beleza mais interessante..

mas tu és bom em mitologia até dizer chega!

":O))

Flávio disse...

lol Bem, obrigado pelo simpático elogio, apesar de completamente imerecido.

E por falar nisso, ainda ontem aconteceu-me cá uma com a mitologia grega! lol Foi mais ou menos assim: o João Canijo, um dos meus heróis cinematográficos, foi dar uma conferência lá na escola sobre tragédia grega e eu, obviamente, não faltei. Aproveitei para colocar uma questão sobre o eventual fatalismo do filme Noite Escura, que até estava bem pensada; porém, os nervos eram tantos (para mim, era como estar junto do papa) que acho que ninguém percebeu nada do que eu disse. Felizmente, um professor veio em meu socorro, senão teria sido mesmo trágico.

lol Não sei o que o João Canijo ficou a pensar, mas tenho sérias dúvidas que ele me convide para o seu próximo filme! lloooollll

Nuno Cargaleiro disse...

Só uma coisa... quem criou a história não foi Ang lee, foi Annie Prouxl, que escreveu esta história com todas as referências que falam 8 meses após o Homicídio brutal de um adolescente (Matthew Shepard), que inclusivé, é morto num cenário muito semelhante ao do filme (a cerca, o pé de cabra)... Logo, ao ter como ponto de partida uma história que fala sobre um crime de ódio, Prouxl (e dps no filme Ang Lee) usam todo o passado do casal Ennis-Jack para acabar por falar sobre preconceito e ódio: que seja o auto-preconceito de Ennis, quer seja o destino trágico de Jack, que supostamente é morto num crime de ódio... o benefício da história é que está desenrolada de um modo em que isso não é evidente logo ao início, mas que acaba por atingir o espectador quando não estaria à espera. Daí a sensação de tragédia...

Flávio disse...

Ora aqui está uma excelente achega do Nuno, que só vem dar mais consistência à minha tese do militantismo: se bem compreendi as tuas palavras, Nuno a escrita do conto original foi directamente inspirada por esse caso odioso, é mais um indício do que ando a dizer.

Nuno Cargaleiro disse...

Depende do teu ponto de vista:
se consideras activista um filme que fala/analisa um confronto social segmentado num determinado contexto (neste caso homofobia), pode acabar por se considerado à primeira vista como redutor.
se consideras que é activista por falar num confronto social, mas vires o contexto da situação como pudesse ser qualquer outro, então é mais dificil "ser entendido" como um filme activista...

Pessoalmente não sei se vejo como filme activista... a historia teve como "motivação" um facto social, que é desenvolvido no conto e no filme, mas não sei se é um filme activista, ou somente um filme que fala sobre um assunto que não se fala muitas vezes, qto mais falar seriamente...

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

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