2004-08-29

O Crepúsculo dos Deuses


O argumentista, produtor e realizador Billy Wilder é uma das personalidades mais fascinantes do mundo do cinema. O grande público recorda-o sobretudo pelo seu sentido de humor afiado como uma navalha e falta total de papas na língua: «eu beijaria o chão que tu pisas mas só se vivesses num bairro decente», afirmou Wilder à sua mulher Audrey. Os seus colaboradores mais directos falam de um profissional cordato e afável, qualidades essenciais em quem dirige um processo tão delicado quanto o da feitura de um filme, no qual as sensibilidades estão sempre à flor da pele; por exemplo, aquando da rodagem de The Private Life Of Sherlock Holmes (1970), Wilder passou boa parte do seu tempo a confortar o técnico responsável pela inutilização acidental do monstro aquático. Os cinéfilos aclamam-no como um dos mais extraordinários e versáteis guionistas de sempre, que se converteu à realização apenas para que os frutos da sua escrita não saíssem adulterados pela estupidez alheia.

E que tem o próprio Billy Wilder a dizer de tão prestigiosa carreira? O talentoso cineasta contava a este propósito um pequeno episódio retirado da época em que ainda vivia em Berlim e procurava singrar nesta carreira dos filmes. O seu quarto arrendado ficava ao lado da casa de banho comum do prédio e o velho autoclismo pingava durante toda a noite devido a uma avaria. Para se confortar da monotonia de toda esta pobreza, o jovem Wilder imaginava que o som dos pingos do autoclismo era o de uma lindíssima cascata. Vinte e cinco anos mais tarde, o mesmo Wilder veio a passar uma temporada numa luxuosa estância termal austríaca, junto a uma cascata magnífica. «E ali estava eu deitado», conta Wilder, «escutando a cascata. E depois de tudo o que vivi, todos os sarilhos por que passei, todos os prémios e dinheiro que ganhei, ali estava eu naquela estância e só conseguia pensar no maldito autoclismo. Essa é, como se costuma dizer, a história da minha vida».

O coro de elogios não era todavia unânime: Wilder sempre foi uma presença incómoda entre os grandes barões de Hollywood e a sua celebérrima obra-prima O Crepúsculo dos Deuses (1950) não fez nada para melhorar esse estado de coisas. Aquele que é hoje considerado um dos melhores filmes sobre filmes não caiu na altura no goto de muitos dos colegas do realizador, que se sentiram directamente atingidos pela sua visão cínica dos bastidores da indústria cinematográfica americana. Ainda para mais, Wilder filmou tudo com um realismo quase documental. Não há nada de particularmente simbólico na velha mansão de Norma, que não é tanto uma metáfora da sua tragédia pessoal quanto um retrato tão rigoroso quanto possível da forma como uma mulher que vive arreigada ao passado deixaria que a sua casa se arruinasse. O mesmo se diga a respeito do elenco notabilíssimo, encabeçado por Gloria Swanson e Erich von Stroheim, assim como das participações de Cecil B. DeMille, H. B. Warner, Buster Keaton e Anna Q. Nilson, velhas glórias do cinema que percorrem todo o filme como almas penadas.

1 comentário:

Anónimo disse...

hoje,tive mais tempo de ler os seus escritos com mais calma.
A Swanson, é juntamente com a Garbo, a Dietrich, a Anna Magnani e a Edviges Feulliere, as minhas actrizes preferidas.
Valeria Mendez