2004-08-14

12 homens em fúria

O tribunal de júri é uma instituição envolta em controvérsia. A polémica em redor dos méritos e falhas desta figura judiciária é acesa e está longe de avistar um fim: os opositores do júri falam dos perigos de manipulação dos jurados e da sua sujeição às pressões e paixões da opinião pública; já os seus apoiantes aplaudem o cariz democrático e a aproximação que propicia entre sociedade e administração da Justiça.

Em Portugal, o júri foi estabelecido pela primeira vez pelo artigo 177º da Constituição de 1822, disposição que ficou letra morta por nunca ter sido regulamentada, mas foi depois consagrado em todas as Constituições que se lhe seguiram, com excepção da de 1933. A lei portuguesa actual prevê a sua existência, mas, porque o nosso legislador é congenitamente receoso e propenso às ambiguidades, o tribunal de júri tem tido entre nós pouca importância prática. Por exemplo, é incompreensível que os jurados, que são quase sempre ignorantes das leis, sejam chamados a decidir não só sobre matéria de facto, mas todas as questões objecto da decisão de julgamento, incluindo a determinação da pena e todas as outras decisões de direito.

O filme 12 homens em fúria (1997), de William Friedkin, propõe-nos uma visita guiada aos bastidores do júri. Neste excelente remake (originalidade para quê?) de um filme antigo de Sidney Lumet, as coisas começam pelo fim: a audiência de julgamento está já concluída e a convicção dos membros do tribunal parece estar firmada no sentido da condenação. Afinal, os factos em julgamento são da maior gravidade, a prova testemunhal reunida pela acusação é eloquente e o arguido não só é cadastrado como provém de um bairro miserável, meio propício ao crime e à violência. Mas um dos jurados tem dúvidas. Não será que uma acusação tão gravosa como a de parricídio merece uma reflexão mais demorada da parte de quem decide? Não será que um testemunho é sempre um meio de prova particularmente falível e que os factos podem ser coloridos pela personalidade de quem os enuncia? Não será que a defesa do arguido foi prejudicada pela juventude e inexperiência do seu advogado oficioso?

Lá fora, as ruas da cidade padecem sob o calor do Verão, mas é dentro da sala do tribunal que a temperatura e os ânimos sobem ao insustentável, quando os doze jurados passam a confrontar não só os argumentos de quem acusa e defende, mas também os seus próprios medos, convicções e preconceitos. Aquilo que ao início parecia indiscutivelmente certo, revela-se afinal como um manto de aparências e meias verdades. À medida que os factos são esmiuçados, os jurados começam a alterar o seu veredicto, até que todos acabam por decidir no sentido da absolvição. O desenlace é optimista: a dignidade da pessoa humana sairá ganhadora e, no final do dia, os protagonistas poderão regressar a casa na certeza de terem realizado a melhor Justiça.