2004-06-12

Casa Pia (i)

O processo da Casa Pia conheceu um momento fundamental com a conclusão da instrução mediante o despacho da juíza Ana Teixeira e Silva. A instrução, como todos já muito bem sabem, é a fase processual que consiste na apreciação da acusação formulada pelo Ministério Público e que finda com a formulação de um despacho judicial, o qual poderá decidir num de dois sentidos: pela pronúncia e transição do processo para a fase de julgamento, ou simplesmente pela não pronúncia e subsequente arquivamento dos autos (sem prejuízo da possibilidade de interposição de recurso).

O essencial do despacho de Ana Teixeira e Silva foi amplamente divulgado pela Imprensa. O mais relevante foi a absolvição de três dos dez arguidos: Herman José, Francisco Alves e Paulo Pedroso. No caso do deputado, as razões invocadas para a sua absolvição foram de vária ordem: a descredibilidade e contradições das testemunhas; a inadmissibilidade do reconhecimento do arguido através de fotografia; a omissão de referências aos sinais físicos evidentes de Pedroso; a total desvalorização dos exames efectuados às alegadas vítimas por Alexandra Ansiães, psicóloga do Instituto de Medicina Legal. Mesmo os arguidos pronunciados viram a sua situação processual francamente favorecida: quer porque as medidas de coacção foram substituídas por outras de menor gravidade, quer porque o número de crimes imputados é consideravelmente inferior ao que inicialmente constava da acusação.

Que dizer então do mérito das decisões de Ana Teixeira e Silva? Num momento em que muito do conteúdo do processo ainda está por conhecer, é evidente que a prudência desaconselha apreciações críticas. Mesmo assim, é possível formular algumas conclusões.

A primeira conclusão, aliás óbvia, é que Ana Teixeira e Silva teve a sensatez e serenidade suficientes para não incorrer nos erros do seu antecessor Rui Teixeira. Ao contrário do que afirma o Carlos no seu excelente blogue Contra a Corrente, o juiz halterofilista exerceu a sua dificílima função sem humildade, senso ou sentido de responsabilidade. Recordemos a forma batoteira como o magistrado chegou a este processo e que viria aliás a ser censurada pela Relação de Lisboa no seu acórdão de 17.03.2004: consideraram então os desembargadores que Adelino Frescata, magistrado do 5º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a quem o processo da Casa Pia coube inicialmente, fez uma distribuição "abusiva" do mesmo ao seu colega Rui Teixeira, porque este teria em Dezembro de 2002 autorizado uma busca no âmbito do caso. Pensemos ainda na apetência de Rui Teixeira pelo vedetismo e declarações públicas bombásticas (leiam-se as suas longas entrevistas no Público de 22.11.2003 e 23.11.2003 ou no Diário de Notícias de 29.03.2004), ou na forma intolerável como apelidou Carlos Cruz e os seus defensores de palhaços – uma linguagem aviltante que nem a um garotelho de 13 anos se admite, quanto mais a um magistrado judicial!

Uma segunda conclusão é que Ana Teixeira e Silva terá cedido à propensão velhinha dos nossos juízes de dar uma no cravo e outra na ferradura e procurar não desagradar excessivamente a nenhum dos lados do litígio ou à opinião pública. Se por um lado, a juíza de instrução não hesitou em favorecer a posição dos arguidos e mesmo em absolver três deles, por outro não deixou de conceder aos acusadores que «a questão cerne neste processo não é determinar se os ofendidos foram vítimas de abusos sexuais: este é um dado assente (…)». Mesmo assim, Ana Teixeira e Silva deixou entrever uma desconfiança profunda relativamente a uma acusação que, aliás, tem dado sobejas provas de fragilidade. Se faltou à juíza coragem para ter ido mais longe, só o futuro dirá.

1 comentário:

Anónimo disse...

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