2007-10-05

Vasco Pulido Valente

Parece que o Vasco Pulido Valente não gostou muito do filme As Vidas dos Outros. O senhor acha que se trata de «um melodrama de intelectual adolescente, sem vestígio de imaginação e originalidade» e acrescenta, com aquele tom de permanente enjoo que todos lhe reconhecemos, que «como filme nem se quer [sic] valia a pena falar dele» (in Revista Atlântico, Outubro 2007). Porém, mais valia que tivesse ficado calado. O texto do Valente é superficial, grosseiro, inábil, tendencioso e estúpido e demonstra um desconhecimento clamoroso dos processos históricos. Como texto, nem sequer valia a pena falar dele. Além do cliché já desgastado da suposta americanização do filme, toda a argumentação do Valente se resume, na verdade, a duas únicas ideias: a «implausível metamorfose de Wiesler» e a instrumentalização da Stasi pelo ministro da Cultura.

A descrição que o Vasco Pulido Valente faz da actuação do ministro está errada. Não é dele que parte a iniciativa de escutar o dramaturgo, mas do próprio capitão da Stasi, cujo requerimento é posteriormente ratificado pelos superiores. Isto significa que escapou ao Valente um pormenor fundamental e uma das ironias mais subtis do filme: é o próprio Wiesler que inicia o longo processo da sua infâmia e destruição. E quando o Valente critica a suposta inverosimilhança da sua conversão, subestima o significado da música para um povo como o alemão. A relação dos alemães com o mundo é, disse-o Thomas Mann, musical. E porque a música «é de todas as artes a mais afastada da realidade e simultaneamente a mais apaixonada, é abstracta e mística», a conversão de Wiesler assume os contornos de uma experiência mística: o momento fugaz de revelação de uma verdade, cuja natureza é inefável e desafia as explicações racionais. O caso de Wiesler não é, aliás, inédito: alguns nazis, comovidos pela música, também pouparam as suas vítimas. Foi o que sucedeu com Wladyslaw Szpilman (que inspirou outro filme admirável, O Pianista, de Roman Polanski) e com o compositor Berthold Goldschmidt.

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