2006-11-08
Mister Orange
Já aqui falámos do extraordinário Mister Pink, mas há outro Reservoir Dog que é igualmente complexo e fascinante: o Mister Orange. É ele o polícia infiltrado no grupo de criminosos e o grande responsável pelo fiasco do assalto. Porém, não é nenhum herói. Ainda que as suas intenções sejam legítimas, os meios que ele utiliza são, no mínimo, discutíveis: ninguém gosta de um bufo, seja em que circunstância for. Mas o que mais tem incomodado alguns espectadores é a confissão final do Mister Orange: se ele tivesse mantido a boca fechada, teria escapado com vida. Contudo, fez a opção menos razoável e assinou voluntariamente a sua sentença de morte.
Não só não existe qualquer incongruência na confissão do Mister Orange, como ela é, bem pelo contrário, o momento mais admirável e inesquecível do filme. Para a compreendermos, temos de ter presente a verdadeira natureza do trabalho de Mister Orange: ele é um agente infiltrado, um polícia que, assumindo uma identidade falsa, é introduzido dentro de uma organização criminosa. Em suma, ele é um actor. O filme di-lo expressamente: «Um polícia infiltrado tem de ser o Marlon Brando. Para fazeres este trabalho, tens de ser um grande actor. Tens de ser o mais natural possível. Porque, caso contrário, és um mau profissional e acabas por estragar tudo.»
Todo o magnífico segmento dedicado ao Mister Orange é o registo do processo da aprendizagem de um actor. Numa fase inicial, ele é um caloiro receoso e as suas preocupações (memorização das falas, criação de emoção, medo do palco) são comuns a todos os actores principiantes. Cabe a Holdaway, o seu superior negro, a condução do seu treino. É particularmente importante a ênfase que ele coloca nos pormenores, mesmo os mais insignificantes, porque um actor deve compreender não só o que diz, mas tudo o que acontece no guião. É isso que permitirá a Mister Orange contar convincentemente a história da retrete e ser incluído no grupo de assaltantes.
A confissão do Mister Orange é a grande consagração da sua carreira. O seu trabalho é uma autêntica experiência: ele já não é apenas um actor, mas uma pessoa real que respira no palco do grande armazém. Quando ouvimos as suas derradeiras palavras, não é verdadeiramente o polícia que as profere, mas sim um criminoso que interiorizou plenamente o código de valores da sua gente. É um final dramático, em todos os sentidos.
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9 comentários:
tenho de ver. Nem sabia da existencia do filme.Aprende-se muito neste seu A Bomba!!!
Abraço
Valeria mendez
...lembra-me a história que o Antony Hopkins contou sobre a representação da Jodie Foster no filme O silêncio dos inocentes: quando ela começou a ser como era a representação ficou perfeita...
Valéria: Estou a fazer lobby para levar o meu amigo libanês à nossa Madeira. Se conseguir, temos de combinar os três um cafezinho na esplanada do Teatro Baltazar Dias.
Rob: Ora aí está outro belíssimo exemplo da arte de representar. As cenas do Silêncio dos Inocentes com esses 2 juntos são das coisas mais electrizantes que vi no cinema.
hum...sim, tal como o Johnny Depp
em "Donnie Brasco", a amizade e o empenho na missão quase comprometeu a mesma! No caso do " Mister orange" foi a sua morte!
Boa posta esta!
Abraço libertário!
Sam
É por isso que o Tarantino é o meu realizador favorito. Qualquer filme dele dá azo a horas e horas de discussão e teorias. E todas elas interessantes.
Também sou incondicional dele. Não será o meu favorito, mas está sem dúvida no meu top 10.
Flávio, tens de ver o "The Departed" do Scorcese. É quase um estudo aprofundado sobre os temas que mencionaste neste post. Muito, muito bom mesmo.
Apetece-me escrever algo sobre o filme no meu próprio blog, mas acho que a tua análise seria infinitamente melhor. És mais certeiro e analítico, e desenvolves bem, entrando mesmo em vertentes que nem sonhava estarem lá (e no entanto tão obvias, depois de as apontares)...
(esta graxa toda é para ver se escreves o post. Ao trabalho, pá)
:)
Uso esse post pra comentar o outro, sobe o Mr. Pink:
NO FINAL ELE NÃO GANHA OS DIAMANTES! NO FINAL ELE É PRESO PELA POLÍCIA, FORA DO GALPÃO.
Ajusta teu som DTS e preste atenção nas falas dos polícias e do Pink.
É verdade que sim Fábio, mas na altura que escrevi o texto do Mister Pink ainda não sabia. Mesmo assim, e porque nunca chegamos a ver nada, ainda tenho uma réstea de esperança que ele tenha escapado.
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