2006-05-03

Alfredo Farinha

O grande Alfredo Farinha escreve, sempre com argúcia e eloquência, sobre Cavaco e os cravos de Abril:

«Sem cravos de Abril, nem rosas de Maio. Esta poderia ser a legenda para a forma como se apresentou à Nação, na casa comum da Família Portuguesa, em S. Bento, o senhor Presidente da República, no dia em que uma parte considerável dela celebra aquela que considera ser uma das efemérides históricas mais notáveis da sua secular existência.

[...]

Para o autor, que chegara a temer reacções demasiado vivas e agrestes, do lado contrário àquela que tivesse por boa a decisão a tomar, foi um gesto de sabedoria e de grande maturidade política, algo de comparável, com ressalva das devidas a óbvias proporções, à atitude de Alexandre, quando decidiu servir-se da espada para cortar, de um só golpe, o lendário 'nó górdico'. Tão lógico, tão fácil, tão natural... E ainda se poderia tirar ao alegado problema do 'cravo vermelho, sim ou não', bastante mais da carga política com que quiseram vesti-lo alguns dos costumados fazedores da 'guerrilha institucional' que lhes alimenta e prolonga o tacho nos grandes órgão de comunicação.

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Por isso, quem tiver os olhos para ver e ouvidos para ouvir, não terá dúvidas quanto à mensagem de Cavaco Silva, no seu primeiro 25 de Abril como Presidente da República: 'Vim para unir e não para alargar o fosso da separação entre os portugueses. Não serei refém de nenhuma das metades em que as desavenças e os erros dos políticos (profissionais, não-profissionais e amadores, como os jogadores nos clubes de futebol) cortaram a Nação. Não serei cravo de Abril, nem rosa de Maio, não serei o Presidente da Esquerda ou da Direita, serei apenas, no voto de fidelidade que fiz a mim próprio e à Pátria, o Presidente de Portugal.'

[...]

Um homem tem o direito de mandar os porcos para o curral e os vigaristas para a cadeia

Aqui ficam a propósito e a declaração solene de que, se tal viesse a ser necessário, seria o velho jornalista que assina estas notas e que tem a consciência de ter sido, mal ou bem, um dos mais activos e combativos pela boa causa, o primeiro a fazê-lo. É que, com mais de oitenta anos de idade e noventa, pelo menos, de trabalho prestado, durante meio século, a dois empregadores simultâneos, para ter e dar à família o minimamente justo e andar de cabeça erguida na exigente profissão que exerceu, um homem sente-se no direito de, neste mesmo país, onde está a tornar-se medonho viver, [...] reclamar em voz alta, exigir, berrar, bramar, trovejar, ser incómodo, ser inconveniente, ser malcriado, detestado, ameaçado de morte ou prisão, ser mesmo preso, ou deixar-se matar, para que os responsáveis materiais, legais ou morais pelo 'funcionamento regular das instituições democráticas' se sintam acompanhados e coagidos a assumir, com autoridade e firmeza, as suas prerrogativas e obrigações.

[...]

P.S.: Não dispondo da prerrogativa de falar face a face com o engº José Sócrates - ensejo que tive uma só vez, na Sertã, num animado debate, que recordo com prazer e algum orgulho, que S. Exª certamente compreenderá... - utilizo esta via e esta oportunidade para, como português e como beirão, lhe pedir que não continue a transformar o Governo de Portugal, a que espantosa e esporadicamente preside (os deuses deviam estar cegos, surdos e mudos), numa agência de publicidade, ainda por cima, enfadonha, repetitiva e pouco credível. [...] Governar um País é incomparavelmente mais difícil que viajar nesses frágeis balõezinhos e (aqui entre beirões de aldeia), bastante mais difícil, até, que guiar um rebanho de cabras, serra acima, serra abaixo, ou pinha adentro. Há pessoas que nunca deviam ter pensado em governar um país - em especial o meu.»


(in O Diabo, 3 de Maio de 2006)

4 comentários:

Flávio disse...

Pronto, já cá faltava a melga do tv shop.

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

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Dylan disse...

A morte de Alfredo Farinha significa o fim da melhor geração de jornalistas da imprensa desportiva em Portugal, para não dizer do jornalismo em geral. Nas palavras do beirão, um tipo de jornalismo que "não obedecia à voz do dono" nem tampouco era subserviente. Independentemente das suas simpatias políticas e do seu clube do coração, defendido até à medula quando era ridicularizado por invejosos, utilizava corajosamente a liberdade de expressão mesmo nos tempos de feroz ditadura. Escrita irrepreensível, foi professor e agraciado com o grau de comendador, também graças aos seus valores morais onde a frontalidade e a lealdade imperavam. Que lição para os dias de hoje onde o jornalista se confunde com o ardina, a notícia com a opinião, onde a a deontologia é arrumada para dentro de uma secretária e a promiscuidade de alguns jornalistas com agentes desportivos é demasiado comprometedora.

http://dylans.blogs.sapo.pt/