2006-05-26

O Código Da Vinci


Adaptar um romance ao cinema é sempre uma tarefa complexa e delicada. Há diferenças muito profundas entre as linguagens da literatura e do cinema e as razões que explicam o êxito de um livro não são necessariamente as mesmas que tornam um filme bem sucedido. Susan Sontag escreveu doutamente sobre o assunto: «Mesmo um romance mediano, como o 'Mephisto', de Klaus Mann, acaba sempre por ser consideravelmente mais rico, mais complexo que o filme. Quase que parece estar na natureza de um filme – independentemente da sua qualidade – que ele reduza, dilua e simplifique qualquer bom romance que adapte». À questão da qualidade literária, junta-se ainda o obstáculo da extensão dos romances, pois as necessidades de distribuição e exibição dos filmes impõem que a sua duração não exceda, em regra, as três horas.

O exemplo do Código Da Vinci parece, à primeira vista, confirmar as palavras de Sontag. A história de Dan Brown poderá ter funcionado magnificamente no papel, mas deixa qualquer realizador de cinema em apuros. Por um lado, a estrutura do romance parece exigir alterações profundas aquando de uma adaptação ao grande ecrã: o enredo é intrincado, há demasiadas personagens principais e secundárias e os diálogos são extensíssimos. É o que se designa na gíria por «peixe com penas». Por outro lado, quaisquer tentativas de reformulação da narrativa original encontrariam a resistência dos milhões de fãs que o romance conquistou em todo o mundo: afinal de contas, trata-se do maior blockbuster literário dos nossos tempos.

Apesar de todos os escolhos, a transposição do Código Da Vinci para o cinema foi um êxito. O filme de Ron Howard é excelente e satisfaz em igual medida os fãs e os iniciantes destas andanças do Código. Os principais elementos do romance estão lá todos: o Louvre, Saint-Sulpice, Château Villette, a Abadia de Westminster, a capela de Rosslyn, os enigmas, o sagrado feminino e o polémico convite à reflexão sobre as origens do cristianismo. E ainda que alguns trechos bombásticos tenham sido amenizados ou suprimidos (foi omitida, por exemplo, a referência à sede bilionária do Opus Dei na Lexington Avenue, em Nova Iorque), as falas mais célebres foram ciosamente preservadas: «a Bíblia não chegou via fax do céu» ou «um falo rudimentar».

Por mais que alguns críticos torçam o nariz, o mérito de Ron Howard é evidente. Curiosamente, a sua maior qualidade talvez resida na mesma razão pela qual Susan Sontag se revelou tão descrente dos filmes: a simplificação. Goste-se ou não, é inegável que Howard conseguiu tornar as teses de Dan Brown compreensíveis para o público de cinema e suplantou as dificuldades do projecto com a simplicidade com que Colombo pôs de pé o seu famoso ovo. Mas o realizador não se limitou a transcrever o livro, pois a sua adaptação é, na realidade, bastante original. Recordemos a despedida dos dois protagonistas e o gag final do pé sobre a água, um belo momento de auto-reflexividade em que o realizador parece recordar que tudo não passa, afinal, de mera ficção especulativa.

16 comentários:

musqueteira disse...

Viva Flávio,
Como sempre... um Blog obrigatório!
Filme a ver este fim de semana.
Um abraço;)

Flávio disse...

Olha a Musqueteira! Bem-vinda!

Anónimo disse...

Viva Flávio,

Não posso partilhar totalmente a sua opinião sobre o Código da Vinci. Falta credibilidade aos personagens. A menina Tautou dificilmente se liberta do papel da Amelie (eu sei que ela teve papeis completamente diferentes, mas a primeira imagem está lá). No livro é uma personagem central, no filme apaga-se.

Quanto a Ron Howard ter tornado a história perceptível ao comum dos mortais, sim.

Espero que continue a gostar de Fado. Eu mantenho a minha admiração por Camané.

Abraços

Flávio disse...

Olá Micas e muito bem-vinda a esta casa. Claro que continuo a gostar de fado, muito graças às nossas conversas na Faculdade. Obviamente, não sou nenhum especialista como a Micas, mas já ouvi um pouco da Maria Teresa Noronha e achei magnífico.

Quanto ao filme do Código Da Vinci e à questão da simplificação, lembro-me sempre de uma frase douta do Martin Scorcese: «a simplicidade em cinema é, na verdade, muito complicada»

dermot disse...

Concordo plenamente contigo quando dizes que o Código Da Vinci é uma boa adaptação. Sem dúvida. Estão lá todos os momentos chaves da história, as personagens principais, os momentos importantes... Contudo, não acho que seja um bom filme. E a principal razão é porque Ron Howard é um realizador aborrecido.
Mas agora coloco uma questão: será que poderá ser uma boa adaptação e um mau filme? Ou uma boa adaptação será obrigatoriamente um bom filme? Hmm..

Flávio disse...

Boa questão, mas não estou a ver como é que se podem separar os dois conceitos. E no caso do Código Da Vinci, acho que é mesmo as duas coisas. Irrita-me um bocado o cliché do 'filme ilustrativo'(?), como se o Ron Howard também não tivesse tido ideias boas e originais: v.g. o rosto da Tautou no sepulcro, o pé sobre a água, o encontro com o toxicómano no parque, a projecção de slides do Teabing, etc.

dermot disse...

Não concordo aí, Flávio. Acho o Ron Howard tão certinho que aborrece demasiadas vezes. Ele tenta alguns truques, mas normalmente saem mal, na minha opinião. Esses que falas, do tóxico no parque ou da sessão de slides, parecem-me opções falhadas. Tal como a primeira perseguição de automovel e a maioria dos flashbacks históricos. Claro que alguns são muito bons, como os outros que referiste, por exemplo. Mas no geral, acho o Ron Howard demasiado certinho para filmes que pediam mais irreverência.

Anónimo disse...

Sou fan do livro e não fiquei muito satisfeito :|...

Abraço

Anónimo disse...

Flávio,

Li num blogue você afirmar, com muito atrevimento, que tinha "desmontado" as minhas críticas acerca do "Código da Vinci".
Queria, por favor, uma de duas coisas:

1. Ou um pedido de desculpas;
2. Ou então a necessária demonstração, por escrito, da sua eventual "desmontagem".

Peço-lhe que evite difamar o meu trabalho e o meu nome: tente ser objectivo nas suas críticas.

Obrigado.

Anónimo disse...

O último comentário é meu.

Flávio disse...

Olha quem ele é! E que susceptíveis que estamos hoje não é verdade, Bernardo Motta? Nesse blogue como neste, limitei-me a comentar as argumentações de ambos os lados da questão do Código, sem ideias pré-concebidas e sem fazer juizos sobre a seriedade de quem quer que seja. Aliás, sugiro que vejas no Código Penal o verdadeiro significado do termo 'difamação'. Não difamei ninguém (aliás, disse no meu post de 14-02-2005 que a tua argumentação é sólida) nem tenho de pedir desculpas - ainda que, pelos vistos, possa ter beliscado algumas libélulas mais sensíveis.

Anónimo disse...

Flávio,

O teu post original, cuja data agora não tenho presente, era um texto extenso acerca do meu trabalho.
Escreveste esse post de uma tal forma que se ficava com a ideia de que conhecias bem a questão de Rennes, e que estarias, na situação de conhecedor da questão, a comentar o meu trabalho.
Na altura em que li, fiquei com a nítida sensação de que o teu primeiro contacto a sério com a questão de Rennes tinha sido, precisamente, com a leitura do meu site.
A tua forma de escrever, a forma como relatavas os acontecimentos, tudo me levou a pensar que estavas a tentar passar a ideia de que já conhecias bem a questão antes de conhecer o meu site.
Na altura, não quis duvidar da tua seriedade, e nesse espírito de te dar o benefício da dúvida, repliquei às tuas observações (observações, aliás, contraditórias face à documentação existente) com alguma dose de paciência, uma vez que eu não via qualquer razão para a tua teimosia na crença de muitas das teses do Priorado.
Gosto pouco que me façam de parvo: acho que te tratei com a cordialidade e a educação suficiente para que eu tivesse que descobrir que andavas a "armar aos cucos" noutro blogue, alegando estares a "desmontar" os meus argumentos.

Assim sendo, gostaria que publicamente apontasses, com base em documentação sólida, as "desmontagens" que fizeste aos meus argumentos.

Não que eu seja um grande especialista, que não sou, nem grande nem pequeno, mas acho que o meu trabalho não merece ser descredibilizado por alguém que, sem qualquer base para tal, anda a dizer pela Internet que é capaz de "desmontar" os meus argumentos, sem no entanto o fazer de forma convincente.
O teu primeiro artigo acerca desta questão não estava documentado de forma suficiente: as tuas dúvidas acerca das minhas conclusões (que nem sequer me pertencem, basta conhecer as obras de verdadeiros especialistas como Paul Smith, Mario Arturo Iannaccone, Massimo Introvigne, Pierre Jarnac, e só para citar alguns de uma longa lista) não fazem qualquer sentido e apenas poderão surgir pela manifesta falta de informação e investigação aprofundada da tua parte.
Não acho correcto gabares-te de teres "desmontado" o que quer que seja, ANTES de o tentares, DE FACTO, fazer.
Tenta "desmontar" primeiro, com clareza, com espírito científico, com documentação.
E depois, gaba-te no fim se achares que te podes gabar...
Cumprimentos,

Flávio disse...

Bernardo, o que eu disse na altura e repito agora é que a tua atitude preconceitousa, arrogante e inflexível em assuntos de religião deixa em farelos quaisquer pretensões de objectividade do teu livro e do teu site. São bons textos, boas leituras e uma abordagem válida e respeitável desta matéria, mas não são obras científicas.

Anónimo disse...

Flávio,

As tuas palavras são como o vento: sem qualquer justificação nem substância.
Acusas o meu trabalho de estar imbuído de "preconceito".
Estou, francamente, desiludido com a tua pessoa. Estou revoltado com a tua falta de seriedade e de frontalidade.
Será que não achas que tens a obrigação de ser concreto? De me apontar rigorosamente e justamente os meus erros? As minhas afirmações "preconceituosas"? As partes do meu trabalho que não foram feitas "cientificamente"?
A tua desonestidade fica agora clara: não queres apontar-me nada em concreto. Preferes o vago insulto, as palavras ofensivas e amargas.
Evitas o confronto adulto, sério e maduro.
É pena...
Não achas evidente a necessidade de consubstanciares as tuas acusações? Achas que podes emitir juízos sem os concretizares? É esta a tua ideia de troca civilizada de argumentos?
Será que discordas disto?
Será que te sentes no direito de fugir ao confronto factual?
Tomei-te, erradamente, por pessoa honesta.
Tens seguido o meu site ultimamente? Tens visto as novidades, as adições?
O meu site, um trabalho começado em 1997, e que cresce semana a semana, será duas vezes maior dentro de dois anos. Uma investigação que não pára.
Perante este grande esforço, e os meses que gastei na escrita do meu livro (um livro revisto por uma pessoa idónea, o meu editor, que não é católico), as opiniões favoráveis dos críticos especializados na matéria, perante tudo isto, o senhor Flávio afirma:

"deixa em farelos quaisquer pretensões de objectividade do teu livro e do teu site"

É incrível o que fazem algumas pessoas num esforço desesperado para tentar conter certos factos evidentes, só porque contrariam as suas convicções emotivamente estabelecidas...
Não perco mais tempo contigo, visto que não queres gastar algum tempo a apontar-me um só erro em concreto!

Anónimo disse...

Do alto das tuas certezas, Flávio, gostaria que me explicasses, mas não tanto a mim, e sobretudo aos que nos lêem, porque é que Paul Smith, um dos maiores especialistas no Priorado de Sião (começou a montar o seu arquivo durante os anos sessenta), e seguramente não conhecido por ser católico, elege o meu livro como um dos "Priory of Sion Essential Books":

http://priory-of-sion.com/posd/posessential.html

É triste, a mesquinhez do ser humano.
Sinceramente, quando entrei no teu blogue hoje, esperava encontrar algum trabalho feito, alguma lista de frases "preconceituosas" ou de erros históricos, ou de exemplos de falta de cientificidade no meu trabalho.
Sinto-me profundamente insultado: quanto maior é o esforço de isenção, quantas mais as horas de esforço, de pouco sono, de trabalho intensivo, mais custa ver alguém como tu ser tão injusto e de forma totalmente mal informada e desnecessária.
Fica na tua, Flávio.
Só te peço uma coisa: guarda as tuas ideias alucinadas para ti mesmo. Não te obrigo a gostares da minha obra, nem a levares o meu trabalho a sério. Se o meu trabalho não te convence, isso é um problema teu.
Agora, peço-te, EVITA dizeres mal do meu trabalho, SEM FUNDAMENTARES NADA!
Isso é simplesmente inaceitável. E sim, isso é difamar...

Anónimo disse...

Paul Smith diz o seguinte, em Julho de 2005, acerca do meu livro:

«Another serious account based upon historical evidence about this subject matter has been published in the Portuguese language – Bernardo Sanchez da Motta’s Do Enigma de Rennes-le-Château ao Priorado de Siao (Esquilo, 2005). Over 500 pages long, it is a welcome addition to the Portuguese Language which has witnessed many being duped by the myth in South American countries.»

E agora, Flávio?