2005-09-01

À Boleia pela Galáxia


Há dois momentos do filme À Boleia pela Galáxia (2005), de Douglas Adams, que são memoráveis. Um é a queda do cachalote no planeta Magrathea. O outro é a solução do grande mistério da vida, do universo e de tudo o resto. Adams diz-nos que a resposta consiste simplesmente num número: o 42. A sequência, que é a mais importante de todo o filme, tem intrigado muita gente. A busca de uma teoria unificadora do universo sempre foi uma espécie de Santo Graal da comunidade científica mundial e não é de todo inconcebível que a solução resida num número. Mas porquê 42? Na realidade, o número não significa nada de especial e é nisso que está a graça toda. Adams escolheu 42 simplesmente porque lhe soava bem: em inglês, a alternância dos sons ‘or’, ‘ee’ e ‘oo’ de forty-two produz um efeito cómico. Apenas isso.

Quanto à queda mortal do cachalote, talvez não seja tão célebre como a resposta ao sentido da vida, mas é igualmente intrigante. Nos curtos segundos de vida de que dispõe, o pobre cetáceo procura dar resposta a algumas questões existenciais e diverte-se a atribuir nomes às coisas: o mundo, o estômago, o vento, a cauda ou o solo. A sequência é fascinante porque, em poucas palavras, diz muito sobre o grande mistério da linguagem humana.

Antes do cachalote de Adams, houve um outro colosso que se interessou pela quaestio do significado: o suíço Ferdinand de Saussure, autor do célebre Cours de Linguistique Générale e pai amantíssimo da linguística moderna. Para Saussure, a linguagem é um sistema de relações internas, uma rede de unidades linguísticas que existem umas em função das outras e independentemente de quaisquer outros factores externos. O modelo é anti-referencial, porque arreda do seu seio tudo o que seja extra-linguístico: o signo é uma entidade dual que une não nomes e referentes, mas sim conceitos (significados) e formas acústicas (significantes). Tudo se passa, pois, no interior de um sistema linguístico fechado e autónomo.

O modelo estruturalista de Saussure suscita muitas dúvidas, até porque deixa inexplicada a relação de significação: saber que relações semânticas existem entre as palavras não equivale a conhecer o seu significado. Por isso, a abordagem da semântica cognitiva, que contradiz abertamente a estruturalista, diz-nos que excluir radicalmente da linguística o problema do referente é um erro. A chave está antes na ligação com o mundo: o significado não pode ser dissociado da nossa experiência da realidade, que é perceptiva, física, psicológica, mental, cultural e social.

Estas considerações gerais sobre a semântica cognitiva levam-nos de volta ao malogrado cachalote de À Boleia pela Galáxia. Quando o cetáceo escolhe as palavras com que baptiza as coisas do mundo, não o faz de modo arbitrário. Por exemplo, a respeito do vento: «And hey, what about this whistling roaring sound going past what I’m suddenly going to call my head? Perhaps I can call that... wind! Is that a good name? It’ll do... perhaps I can find a better name for it later when I’ve found out what it’s for. It must be something very important because there certainly seems to be a hell lot of it.» Ou seja, o significado de wind (vento) é cunhado com base na experiência desse fenómeno atmosférico, que é considerada suficientemente importante para ser codificada em palavras. Isto é semântica cognitiva. Inclusivamente, o cachalote chega a afirmar que se reserva a possibilidade de mais tarde vir a encontrar uma palavra mais adequada à conceptualização do vento. O mesmo se diga a propósito do solo: «Hey! What’s this thing suddenly coming toward me very fast? Very, very fast. So big and flat and round, it needs a big wide-sounding name like ... ow ... ound ... round ... ground! That’s it! That’s a good name – ground!»

6 comentários:

Anónimo disse...

Sim, o filme tem de facto momentos memoráveis :). Lê a análise ao filme no meu blog.

Cumps. cinéfilos

renata portas disse...

olá flávio. ainda não vi o filme,mas para àlem da curiosidade natural que o filme desperta,este comentário aguçou-me ainda mais o apetite.este post é genial,é um belíssimo exemplo de escrita.
um abraço
bette

Helena disse...

O réu declara-se culpado em relação à 2ª acusação e sim, concorda que possa ser verdade ter-se dirigido a Metropolis na data referida. Pelo facto, mostra-se arrependido,esperando uma absolvição e alegando em sua defesa a ausência de intencionalidade ao negar o ocorrido, uma vez que se tratou apenas de falta de memória. Quanto à recente acusação, o réu declara-se inocente, uma vez que apenas pretendeu dar título a um comentário sobre praxes académicas, que são, em sua opinião, rituais de alienação da individualidade, em prole de uma colectividade, que na sua essência, não lhe transmite qualquer sentimento ou vida. Deste modo, apeteceu-lhe traçar um paralelismo, que há altura lhe pareceu mais que óbvio, entre estas tribos académicas e um grupo de zombies de um filme do Romero, por exemplo. Espero que agora esteja tudo esclarecido.

Anónimo disse...

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