2008-05-23

Norman Mailer

Norman Mailer foi uma personalidade fascinante e complexa. O âmbito dos seus interesses era vastíssimo e incluía ocupações tão diversas como a literatura e o boxe. Manifestamente, o senhor tinha mais jeito para a primeira e nunca ganhou um cêntimo que fosse nos ringues. Mas talvez o boxe e a literatura não sejam tão diferentes assim. Mailer comparou muitas vezes o combate de pugilismo ao confronto do escritor com a página em branco. E, tal como a literatura, também o boxe está condicionado pelos estilos, técnicas e estratégias prevalecentes num dado momento histórico.

O romance The Castle in the Forest (2007) é o registo de um combate extraordinário. É o maior combate não só da carreira de Norman Mailer, mas talvez de toda a literatura. De um lado está um escritor nascido no seio de uma família judia de New Jersey e do outro está o maior inimigo do seu povo, Adolf Hitler. O líder nazi foi sempre uma obsessão para Mailer, que chegou a afirmar «you can’t be Jewish without thinking a great deal about Hitler all the time». Escrever um romance sobre as origens de Hitler foi a forma que ele encontrou de lidar com os seus fantasmas.

A juventude de Hitler sempre esteve rodeada de grande mistério. O próprio Hitler guardou muito segredo sobre as suas origens. Tentava ocultar muitas histórias embaraçosas sobre os seus parentes e proibiu que se publicasse qualquer coisa sobre a sua família e infância. Inventou a sua própria história, mudando as origens e a etnia. E até mandou matar pessoas que sabiam demasiado sobre o seu passado. Os historiadores sugerem várias possibilidades para este desconforto, mas todas as suas explicações são limitadas e conjecturais. Em contrapartida, a ausência de fontes e materiais históricos abre excelentes oportunidades aos romancistas.

Um romancista tem duas grandes opções estratégicas quando aborda um assunto como a origem de Hitler. A primeira dessas opções é o que poderíamos chamar de via trágica. A narrativa sublinharia tudo o que o nazismo teve de catastrófico, recorrendo a uma linguagem a condizer, grandiosa e elaborada. Porém, esta alternativa resulta muitas vezes em fanfarronadas pretensiosas e estéreis. A segunda via possível é a sátira e foi por aqui que Norman Mailer seguiu. A sua linguagem é corrosiva e mordaz. O texto multiplica-se em pormenores grotescos, sórdidos e muitas vezes engraçados, pelas mesmas razões que os demónios insistem em chamar Deus por Dummkopf: apoucar o adversário, acentuar as suas fragilidades e reduzi-lo à condição de um pobre diabo.

2 comentários:

Isabel disse...

Olá. Obrigada por me dares a conhecer Norman Mailer. Há alguma editora portuguesa que tenha publicado livros dele? Ah, e tens de me contar como foi a viagem a NY, o meu e-mail é o mesmo. Bjs.

Flávio disse...

Viva! Sim, há uma tradução portuguesa com o título 'O Fantasma de Hitler', salvo erro da D. Quixote. Beijocas, Isabel