2007-05-19

Borat


Os críticos portugueses não gostaram do Borat (2006). O filme foi desvalorizado pela sua linguagem grosseira e aviltante e não superou as duas ou três estrelinhas nas páginas de cinefilia dos nossos jornais. Porém, a reacção foi despropositada. O filme do Sacha Baron Cohen é extraordinário e não a merece. Claro que ninguém é obrigado a gostar deste ou de qualquer outro filme, o problema é que os nossos críticos de cinema menosprezaram o Borat pelas razões erradas.

O Borat é, obviamente, obsceno. Mas a obscenidade em comédia não é nada de insólito. Se a tragédia prefere os temas nobres e os protagonistas de condição elevada, já as personagens vis, os diálogos ordinários e os temas sórdidos sempre foram o prato forte da comédia. Isto é válido não só para o cinema e para a literatura, mas também para as artes plásticas. Piero Manzoni enlatou as suas próprias fezes e fez delas um produto de luxo em Merda d’Artista (1961) e em Topology for a Museum (2001) John Miller mostra um museu enterrado em esterco. Ambos pretendem ridicularizar o funcionamento do mercado de arte.

Algo de parecido acontece com o Borat. O filme recorre ao tema dos excrementos para afrontar a ordem de valores da sociedade americana: quando o protagonista dá uma cagada em frente do Trump International Hotel and Tower está a apontar directamente ao coração pulsante do sistema económico e quando traz a sua merda num saquinho de plástico durante o jantar da Quinta Magnólia está a gozar com os usos sociais. Isto é o que poderíamos chamar de função crítica do humor. Ao parodiar as convenções e ritos de uma sociedade, a piada deixa à vista o carácter arbitrário desses ritos e pode contribuir para a sua mudança.

Resta saber o que permite à comédia ser tão arrojada. Se pensarmos nisso, é espantoso que humoristas como o criador do Borat sejam tão cáusticos e ao mesmo tempo tão populares. O segredo está na segunda função do humor, a psicológica. O humor traz benefícios. Ele permite que aceitemos as nossas fraquezas e que vençamos os nossos medos, ou pelo menos que os compreendamos melhor. Freud escreveu longamente sobre o riso como uma manifestação do inconsciente, uma válvula de escape que traz à superfície os impulsos que fomos obrigados a reprimir desde a infância.

4 comentários:

i disse...

Puxa, são os únicos críticos até agora que não gostaram! Em geral, foi um sucesso enorme.

Flávio disse...

«os brasileiros querem eliminar a entrada "Blogosfera Portuguesa" na "Wikipédia" (!)»

Arrebenta: Como represália, vou apagar o meu post com a declaração de amor ao Brasil (mas continuo a adorar o país irmão). Um abraço!

Amigo Osrevni: Pois foi, mas críticos portugueses de cinema são... 'especiais'.

Isabel disse...

Os críticos portugueses têm falta de humildade e deixam-se levar pelas críticas dos críticos dos filmes de Hollywood,se um filme que estreou nos EUA teve más críticas os críticos portugueses fazem o mesmo. Outra coisa é que julgam o filme por vezes em função do bom ou mau prestígio de um realizador ou grupo de actores. Lembro-me que aquando da estreia do filme "O Projecto Blair Witch" os críticos portugueses teceram louvores e deram muitas estrelinhas a este filme. No entanto fui ver esse filme e achei ridículo e não fui a única.
Qual é o problema dos críticos? Não sabem fazer críticas construtivas. Qual é o problema de "Borat"? Bateu bem fundo no coração dos norte-americanos, pois estes gostam de fazer filmes a gozar com outros paises, mas não gostam que gozem com o seu. Gil Vicente dizia que a rir é que se corrigiam os costumes, era bom que assim fosse em relação a "Borat" e às reacções que provocou.

Cumprimentos, Isabel

Flávio disse...

«Qual é o problema dos críticos? Não sabem fazer críticas construtivas.»

Mais uma lufada de lucidez e bom senso pela nossa Isabel. Beijinhos!