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Os críticos portugueses não gostaram do Borat (2006). O filme foi desvalorizado pela sua linguagem grosseira e aviltante e não superou as duas ou três estrelinhas nas páginas de cinefilia dos nossos jornais. Porém, a reacção foi despropositada. O filme do Sacha Baron Cohen é extraordinário e não a merece. Claro que ninguém é obrigado a gostar deste ou de qualquer outro filme, o problema é que os nossos críticos de cinema menosprezaram o Borat pelas razões erradas.
O Borat é, obviamente, obsceno. Mas a obscenidade em comédia não é nada de insólito. Se a tragédia prefere os temas nobres e os protagonistas de condição elevada, já as personagens vis, os diálogos ordinários e os temas sórdidos sempre foram o prato forte da comédia. Isto é válido não só para o cinema e para a literatura, mas também para as artes plásticas. Piero Manzoni enlatou as suas próprias fezes e fez delas um produto de luxo em Merda d’Artista (1961) e em Topology for a Museum (2001) John Miller mostra um museu enterrado em esterco. Ambos pretendem ridicularizar o funcionamento do mercado de arte.
Algo de parecido acontece com o Borat. O filme recorre ao tema dos excrementos para afrontar a ordem de valores da sociedade americana: quando o protagonista dá uma cagada em frente do Trump International Hotel and Tower está a apontar directamente ao coração pulsante do sistema económico e quando traz a sua merda num saquinho de plástico durante o jantar da Quinta Magnólia está a gozar com os usos sociais. Isto é o que poderíamos chamar de função crítica do humor. Ao parodiar as convenções e ritos de uma sociedade, a piada deixa à vista o carácter arbitrário desses ritos e pode contribuir para a sua mudança.
Resta saber o que permite à comédia ser tão arrojada. Se pensarmos nisso, é espantoso que humoristas como o criador do Borat sejam tão cáusticos e ao mesmo tempo tão populares. O segredo está na segunda função do humor, a psicológica. O humor traz benefícios. Ele permite que aceitemos as nossas fraquezas e que vençamos os nossos medos, ou pelo menos que os compreendamos melhor. Freud escreveu longamente sobre o riso como uma manifestação do inconsciente, uma válvula de escape que traz à superfície os impulsos que fomos obrigados a reprimir desde a infância.