2007-03-17

Lola rennt


O filme Lola rennt (1998) foi inspirado pela ciência do caos. O crítico Jürgen Müller assinalou-o com toda a argúcia, ao escrever que a famosa obra-prima do alemão Tom Tykwer «é um filme filosófico, uma ilustração da teoria do caos, um jogo com o que aconteceria se…». Isto faz de Lola rennt uma obra em plena sintonia com o nosso tempo, porque o estudo do lado irregular do universo já é uma conquista consolidada do pensamento científico. Mas há uma vantagem do caos relativamente às outras duas grandes revoluções das ciências físicas do século XX – a relatividade e a mecânica quântica – que o torna tão apetecível para um cineasta: a sua escala humana. A física tradicional afastou-se demasiado do mundo reconhecível pelo homem, mas a teoria do caos aplica-se a objectos do quotidiano que todos nós podemos ver e tocar.

Um dos elementos principais do movimento caótico é o chamado efeito borboleta. O simples batimento de asas de uma borboleta pode pôr em movimento uma série de alterações na atmosfera que conduzam à formação de um tornado. Ou seja, pequenas variações da condição inicial de um sistema dinâmico podem produzir alterações drásticas no comportamento de todo esse sistema. Tom Tykwer propõe-nos um modelo que tem o interesse acrescido de utilizar pessoas de carne e osso. Na nossa vida, tal como na ciência, uma sequência de acontecimentos pode ter um ponto crítico capaz de ampliar as pequenas alterações. Mas o caos significa que esses pontos estão por todo o lado: «Todos os dias, a cada segundo, podes tomar uma decisão que mudará para sempre a tua vida», escreve Tykwer.

O conjunto dos rumos de vida possíveis é uma espécie de árvore de decisão vital e Lola rennt permite que vislumbremos alguns dos seus ramos. O filme divide-se em três realidades possíveis e da junção das três salta à vista como pequenas perturbações num ponto qualquer da árvore da decisão vão abrindo brechas cada vez mais profundas entre os diversos rumos vitais praticáveis: uma viagem de metro, uma ida ao banco ou um telefonema podem significar a diferença entre a vida e a morte para os protagonistas. Mas qual dessas realidades é a real: apenas uma, todas ou nenhuma? Um filósofo como Jean-Paul Sartre diria que a existência de uma pessoa se reduz ao itinerário que percorre, pois nós somos apenas o conjunto dos nossos actos. Mas esta visão das coisas é demasiado restritiva. Talvez sejamos feitos em igual medida daquilo que fomos e do que poderíamos ter sido, como afirma o próprio Tykwer: «Para mim, Lola rennt é uma viagem contínua, em que o mais importante é que o espectador sinta que a Lola viveu efectivamente as diversas possibilidades que são mostradas no filme».

6 comentários:

Anónimo disse...

Infinitamente melhor do que qualquer coisa que Tykwer tenha feito desde então. Um dos filmes mais refrescantes dos anos 90.

Abraço

Flávio disse...

Nem mais, amigo Fábio. Acho que o problema do Tom Tykwer é a sua arrogância: depois do sucesso de Lola rennt, o senhor converteu-se num filho da mãe arrogante. Da última vez que fui a Berlim, falei com um amigo que o conhece pessoalmente e que confirmou esta minha teoria. Seja como for, ainda não perdi a esperança nele.

Anónimo disse...

O recente "Perfume: The Story of a Murderer", em comparação é fraquinho, vamos esperar que o futuro traga um Tykwer em melhor forma.

Já agora, recentemente abriu um novo forum de cinema, como está a dar os primeiros passos é sempre necessário pessoas que adorem a 7ª arte. Apareçam, toda a ajuda é bem vinda
http://cineman.coresp.com/forum/portal.php
obrigado

Anónimo disse...

Caro Flávio, desculpa a intromissão nesta bela prosa sobre o Tom Tykwer e o grande Lola Reent (sou fã assumido), mas vinha só perguntar-te se foste ao Famafest?

Flávio disse...

Berto: Concordo plenamente a respeito do Perfume. O problema do Tykwer foi ter querido repetir a Lola, o livro exigia uma adaptação o mais clássica e convencional possível. Obrigado pelo convite, lá estarei.

Amigo Dermot: Infelizmente não fui, por razões de saude. Depois conta tudo.

Anónimo disse...

Também não pude ir, Flávio. Pelos mesmos motivos :P