2007-01-05

Christa Wolf


O romance Cassandra (1983), de Christa Wolf, é uma obra surpreendente. O livro de Wolf é anunciado como um retrato grandioso da sociedade do seu tempo, mas o texto parece ter muito pouco a ver com a Guerra Fria ou a antiga Alemanha de Leste. Ao invés, o romance transporta o leitor para o tempo mítico da cidade de Tróia e descreve os últimos dias da sacerdotisa Cassandra. Isto suscita duas grandes questões: o que levou Christa Wolf a recorrer à mitologia grega? E como se explica que tenha escolhido para protagonista uma figura obscura e secundária como Cassandra?

Christa Wolf conhece bem o poder dos mitos. Eles são criações puramente lendárias ou fantasiosas e não pretendem narrar dados factuais; contudo, reconhecemos neles os modelos dos homens e mulheres de todas as épocas históricas. Os temas da mitologia podem, por isso, ser incrivelmente sedutores para um escritor. No caso de Christa Wolf, a opção pela mitologia grega serve excelentemente os propósitos da autora: os mitos de Homero são suficientemente distantes para evitar os perigos de uma abordagem demasiado evidente da questão alemã, mas também suficientemente próximos para serem compreendidos e apreciados pelos leitores dos nossos dias.

Christa Wolf crê que as causas da situação política precária do seu tempo remontam às próprias origens da sociedade ocidental, ao tempo mítico em que os príncipes gregos impuseram a cultura do patriarcado, autoritária e violenta. Um modelo destes não se adequa ao pensamento pacifista e feminista de Christa Wolf, que introduziu mudanças importantes: a arete masculina é substituída pela sensibilidade e intuição das mulheres e a protagonista ideal é Cassandra, já que a autora vê nela um retrato da condição feminina. Claro que os fãs de Homero não devem ficar desapontados, porque nunca há uma versão ortodoxa ou única de um mito. Longe de contestar a validade dos poemas homéricos, a obra de Wolf vem, pelo contrário, completar, enriquecer e actualizar o seu legado.

Com o romance Medeia (1996), Christa Wolf regressa à mitologia grega e prossegue a sua pesquisa pela paz. O livro é emocionante e arrojado, mas esperávamos muito mais de Wolf. O maior crime da autora terá estado na dispersão do texto por diversas vozes narrativas: em lugar do longo monólogo interior de Cassandra, a escritora dá agora voz aos diversos protagonistas do mito. Perdemos assim a simbiose extraordinária entre autora e protagonista, aquela ligação complementar entre ambas que fez de Cassandra uma obra tão especial e autêntica.

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