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Adaptar um romance ao cinema é sempre uma tarefa complexa e delicada. Há diferenças muito profundas entre as linguagens da literatura e do cinema e as razões que explicam o êxito de um livro não são necessariamente as mesmas que tornam um filme bem sucedido. Susan Sontag escreveu doutamente sobre o assunto: «Mesmo um romance mediano, como o 'Mephisto', de Klaus Mann, acaba sempre por ser consideravelmente mais rico, mais complexo que o filme. Quase que parece estar na natureza de um filme – independentemente da sua qualidade – que ele reduza, dilua e simplifique qualquer bom romance que adapte». À questão da qualidade literária, junta-se ainda o obstáculo da extensão dos romances, pois as necessidades de distribuição e exibição dos filmes impõem que a sua duração não exceda, em regra, as três horas.
O exemplo do Código Da Vinci parece, à primeira vista, confirmar as palavras de Sontag. A história de Dan Brown poderá ter funcionado magnificamente no papel, mas deixa qualquer realizador de cinema em apuros. Por um lado, a estrutura do romance parece exigir alterações profundas aquando de uma adaptação ao grande ecrã: o enredo é intrincado, há demasiadas personagens principais e secundárias e os diálogos são extensíssimos. É o que se designa na gíria por «peixe com penas». Por outro lado, quaisquer tentativas de reformulação da narrativa original encontrariam a resistência dos milhões de fãs que o romance conquistou em todo o mundo: afinal de contas, trata-se do maior blockbuster literário dos nossos tempos.
Apesar de todos os escolhos, a transposição do Código Da Vinci para o cinema foi um êxito. O filme de Ron Howard é excelente e satisfaz em igual medida os fãs e os iniciantes destas andanças do Código. Os principais elementos do romance estão lá todos: o Louvre, Saint-Sulpice, Château Villette, a Abadia de Westminster, a capela de Rosslyn, os enigmas, o sagrado feminino e o polémico convite à reflexão sobre as origens do cristianismo. E ainda que alguns trechos bombásticos tenham sido amenizados ou suprimidos (foi omitida, por exemplo, a referência à sede bilionária do Opus Dei na Lexington Avenue, em Nova Iorque), as falas mais célebres foram ciosamente preservadas: «a Bíblia não chegou via fax do céu» ou «um falo rudimentar».
Por mais que alguns críticos torçam o nariz, o mérito de Ron Howard é evidente. Curiosamente, a sua maior qualidade talvez resida na mesma razão pela qual Susan Sontag se revelou tão descrente dos filmes: a simplificação. Goste-se ou não, é inegável que Howard conseguiu tornar as teses de Dan Brown compreensíveis para o público de cinema e suplantou as dificuldades do projecto com a simplicidade com que Colombo pôs de pé o seu famoso ovo. Mas o realizador não se limitou a transcrever o livro, pois a sua adaptação é, na realidade, bastante original. Recordemos a despedida dos dois protagonistas e o gag final do pé sobre a água, um belo momento de auto-reflexividade em que o realizador parece recordar que tudo não passa, afinal, de mera ficção especulativa.