O extraordinário desfecho do romance Montanha Mágica (1924), de Thomas Mann, deixa o leitor inquieto. Tudo termina com o número sete. Além dos sete grupos no salão de jantar e das sete pessoas à mesa dos «russos ordinários», foram sete os anos que o protagonista Hans Castorp passou nessa Montanha. O próprio livro explica porquê: «não é um número redondo ao gosto dos partidários do sistema decimal, e todavia é um número bom, prático à sua maneira; um lapso de tempo mítico e pitoresco, pode dizer-se, e mais satisfatório para a alma do que, por exemplo, uma árida meia dúzia». Trata-se, na verdade, de um número magnífico para concluir um romance. O sete é o número do Homem completo. Significa perfeição, totalidade, unidade. Indica a modificação após a conclusão de um ciclo e uma renovação positiva. Mas qual é, afinal, o ciclo que se encerra no livro de Mann?
Termina, antes de mais, o processo de aprendizagem de Hans Castorp. O nosso herói é agora um homem livre e desligado da vida da planície de onde proveio. Essa ruptura manifesta-se por uma série de sinais óbvios: Hans já não escreve nem recebe cartas; deixou de ler a imprensa e de encomendar ao exterior os seus charutos; prescindiu do calendário e do seu relógio; e nem sequer compareceu no funeral do tio-avô Tienappel. Que diferença relativamente ao jovem simplório que há sete Verões atrás tinha chegado de Hamburgo! A aprendizagem não foi, todavia, convencional, até porque a escola que frequentou é um estabelecimento de ensino sui generis: o Sanatório Internacional Berghof.
O sanatório suíço é um lugar misterioso, mas que propicia como nenhum outro o estudo das artes e ciências. Está situado a uma altitude espantosa – mil e seiscentos metros acima do nível do mar – lá, onde também se encontra o mundo das ideias essenciais de Platão. A circunstância de ser suíço também não é fortuita: a Suiça, país neutral e poliglota, é um pequeno laboratório das ideias do seu tempo, um espaço asséptico e não contaminado pelas grandes concepções políticas e ideológicas. Aí, o estudo decorre sem pressas, paulatino e ao ritmo das estações do ano. Mas a calma é precária, porque a Primeira Grande Guerra em breve ressoa como um trovão pelo mundo inteiro e não poupa ninguém à sua passagem, nem o pobre Hans Castorp.
Há por isso um outro ciclo que se completa: o do destino trágico da própria Europa. O sanatório é uma imagem simbólica de uma sociedade europeia intimamente corroída, atolada num estado de sonolência e quietismo do qual só despertará com a irrupção da Primeira Guerra Mundial. O conflito, já se sabe, surgiu por razões perfeitamente fúteis. Mas isso não significa que a tragédia do jovem protagonista e de todo o continente seja completamente em vão. Bem pelo contrário! Hans decidiu regressar e, como é característico de um herói, fez a opção mais difícil: escolheu o serviço à sociedade, redimiu-se dos seus sete anos de dolce far niente e concluiu com enorme verticalidade a sua educação. A mensagem de Thomas Mann é optimista e intemporal: «vamos, é preciso agir!»
4 comentários:
Bom post...(e ja agora, parabéns pelo blog)
Tb adorei este livro... =) Quase que cada página tem uma frase que nos convida a parar para reflectir...É um optimo livro para «ginastica mental».Recomendo vivamente!
Flávio obrigado pelo breve mas bem explícito comentário.
Para além de ser mais uma ajuda para o teste de Literatura Alemã IV, o teu blog apela ao pensamento, á reflexão e até a uma boa gargalhada, no caso de certas frases sobre o amor.
Fiquei fã, voltarei mais vezes.
Saudações Académicas, Lara Rodrigues, colega da FLUL.
Obrigado, Gabs e Lara. Estejam à vontade, que esta casa é vossa e boas férias.
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