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Um dos segredos do sucesso de Alfred Hitchcock foi o seu talento para escolher excelentes colaboradores. Um filme é uma obra colectiva e nenhum realizador, por mais genial que seja, pode ter a pretensão de querer controlar tudo sozinho: é necessário seleccionar uma boa equipa, ouvir as pessoas e confiar nelas. Hitch sabia-o bem e rodeou-se sempre de artistas tão notáveis como Saul Bass, Joseph Stefano, Ernest Lehman ou Bernard Herrmann. Porém, a pessoa que mais e melhor colaborou com Hitchcock é praticamente uma desconhecida: a sua mulher, Alma Lucy Reville. No seu texto The Woman Who Knows Too Much (1956), o cineasta descreve-a como uma profissional brilhante, cozinheira excepcional e a sua maior confidente.
Um dia mais velha que o marido, Alma iniciou-se no cinema aos 16 anos de idade. Trabalhadora esforçada, já havia ascendido aos cargos de anotadora e montadora muito antes de Hitchcock ter concebido o seu primeiro inter-título para um filme mudo. O pedido de casamento teve lugar no decurso de uma turbulenta viagem de barco, por entre ondas impiedosas e enjoos; nessas condições e confrontada com tão ousada proposta, Alma limitou-se a resmungar, acenar afirmativamente com a cabeça e a arrotar ruidosamente. «Foi uma das minhas melhores cenas», contou mais tarde o realizador, «um pouco pobre nos diálogos, mas maravilhosamente encenada e interpretada com enorme realismo».
O nome de Alma surge creditado em muitos dos filmes de Hitchcock, desde 1925 até Pânico nos Bastidores, em 1950. Alguns críticos e biógrafos, como Donald Spoto, afirmam que isto poderia ser apenas uma forma ardilosa de arrecadar mais um ordenado, o que é um perfeito disparate. A influência da Senhora Hitchcock era, na realidade, decisiva. Ao fim da tarde, quando o realizador regressava a casa, ambos discutiam longamente o guião do filme que estivesse na altura em produção e divisavam novas ideias para a sessão do dia seguinte com qualquer dos escritores mundialmente reputados que o Mestre tivesse então contratado.
Além das suas qualidades profissionais, os amigos do casal falam de um espírito inquebrantável que permitia a Alma conviver com um temperamento tão peculiar como o de Hitchcock. Com efeito, o realizador empregava na condução do seu quotidiano a mesma minúcia obsessiva com que dirigia os seus filmes: nunca abandonava o gabinete nas horas de expediente; vestia sempre o mesmo tipo austero de fatos, de modo a que não despendesse inutilmente as suas energias na escolha da roupa; quando viajava, utilizava sempre as mesmas suites nos hotéis para que se pudesse sentir seguro e confortável.
Nas palavras do próprio Hitchcock, «Alma é extraordinária por ser tão normal. E a normalidade é algo de anormal nos dias que correm. Ela tem uma presença incontornável, uma personalidade viva, um rosto sempre luminoso». Que teria sido do notável realizador sem essa fonte inesgotável de força a seu lado? Provavelmente, um profissional não tão notável e bem menos interessante. Felizmente para nós, o cinema juntou-os e ambos não só protagonizaram uma verdadeira e grande história de amor, como também conceberam alguns dos filmes mais emocionantes de sempre.